“E como vós quereis que os homens vos façam, da mesma maneira fazei-lhes vós também. E, se amardes aos que vos amam, que recompensa tereis? Também os pecadores amam aos que os amam. E, se fizerdes bem aos que vos fazem bem, que recompensa tereis? Também os pecadores fazem o mesmo. E, se emprestardes àqueles de quem esperais tornar a receber, que recompensa tereis? Também os pecadores emprestam aos pecadores, para tornarem a receber outro tanto. Amai, pois, a vossos inimigos, e fazei o bem, e emprestai, sem nada esperardes, e será grande o vosso galardão, e sereis filhos do Altíssimo; porque ele é benigno até para com os ingratos e maus. Sede, pois, misericordiosos, como também vosso Pai é misericordioso.” Lc. 6:31-36
O teste decisivo do amor não é se amamos nossos amigos, mas se amamos nossos inimigos. Um grande santo russo perguntou: “Como sabemos se uma pessoa permanece em Deus e é sincera em sua fé cristã? Não há outra maneira de verificar isso senão examinando a vida da pessoa para ver se ela ama seus inimigos. Onde há amor pelo inimigo, também há Deus.” Esse é o grande teste para saber se estamos em sintonia com Deus; pois é isso que o próprio Deus faz. Ele envia Sua chuva sobre os justos e os injustos. Chesterton disse certa vez: “Amar significa amar aquilo que não é amável, ou não é virtude alguma.”
Impraticável?
Mas amar nossos inimigos em um mundo como o nosso parece altamente impraticável. Amar seu inimigo — algum objeto — é permitir que ele se aproveite de você. Amar seu inimigo é deixá-lo pisar em você.
Assim pensávamos, até que a psicologia e a psiquiatria surgiram e nos ensinaram algumas coisas sobre hostilidade e pessoas hostis. Especificamente, eles nos disseram que uma pessoa hostil odeia porque teme que você a ataque; então, para se proteger, ela ataca primeiro. Ela é hostil porque espera difamação e ódio de você. A última coisa que ela espera é amor. Portanto, se, em vez de ódio, você lhe der amor, você a desarmará. Amor é o que ela anseia mais do que qualquer outra coisa. Amor é a única coisa que pode destruir sua hostilidade.
“Dê-lhe o diabo!” disse alguém a um amigo que havia sofrido uma injustiça nas mãos de terceiros. A resposta que recebeu foi verdadeiramente inspirada: “Ele já tem o diabo. Eu gostaria de lhe dar Deus.” Amar o seu inimigo é dar-lhe Deus.
Mas Deus espera que amemos o pecado e as pessoas más? Claro que não. Ele espera que odiemos o pecado, mas amemos o pecador. Mas isso não é minúcia? Como distinguir entre o pecado e o pecador? No entanto, fazemos essa mesma distinção todos os dias conosco mesmos. Fazemos coisas terríveis; cometemos erros flagrantes. Odiamos os erros que cometemos, mas continuamos a nos amar. Faça o mesmo com os outros, disse Jesus. “Ame o seu próximo como a si mesmo.” Odeie o pecado; ame o pecador. Alguém expressou desta forma: “Amar o inimigo não significa amar a lama em que jaz a pérola, mas amar a pérola que jaz na lama.”
Por quê?
Por que devo amar meu inimigo? Para que eu seja filho do Pai. “Amai os vossos inimigos… e sereis filhos do Altíssimo.” Deus quer que eu seja o que Ele é. Ele ama os Seus inimigos. Ele faz o bem àqueles que O odeiam. Ele prepara pastos verdejantes para nós quando nossa justa recompensa seria um deserto. Ele nos conduz por águas tranquilas quando poderíamos esperar uma terra seca. Enquanto ainda éramos pecadores, Deus nos amou e morreu por nós. Pouco antes de morrer, Jesus disse aos Seus discípulos: “Um novo mandamento vos dou: que vos ameis uns aos outros, assim como Eu vos amei.”
“Amai os vossos inimigos.” O homem que faz da vossa miséria a sua política, que persegue os vossos passos, que prepara armadilhas para os vossos pés, que distorce as vossas palavras, que está sempre a apontar a mosca na sopa e que nunca se sente mais feliz do que quando está lentamente a deitar amargura no vosso cálice; vosso inimigo, amai-o. Amai-o por Minha causa, diz Jesus. Amai-o “como Eu vos amei”. Mas amai-o também porque o vosso inimigo é, antes de tudo, inimigo de si mesmo. A amargura que ele deita no vosso cálice envenenou, antes de tudo, o seu próprio cálice. Esqueçam a injúria superficial que ele vos inflige e pensem na injúria fatal que ele inflige a si mesmo. Da vossa parte, ele cria amargura; da parte dele, comete suicídio.
Como escreve o grande sacerdote russo Padre João de Kronstadt em seu inspirador livro “A Vida de Cristo”: “Toda pessoa que pratica qualquer mal, que satisfaz qualquer paixão, é suficientemente punida pelo mal que cometeu, pelas paixões às quais serve, mas principalmente pelo fato de se afastar de Deus, e Deus se afastar dela: seria, portanto, insano e extremamente desumano alimentar raiva contra tal homem; seria o mesmo que afogar um homem que está afundando ou empurrar para o fogo uma pessoa que já está sendo devorada pelas chamas. A tal homem, como a alguém em perigo de perecer, devemos demonstrar duplo amor e orar fervorosamente a Deus por ele; não o julgando, não nos alegrando com seu infortúnio. Por mim, diz Jesus, mas também por eles, ‘amem os seus inimigos, abençoem os que os maldizem, façam o bem aos que os odeiam e orem por aqueles que os maltratam e os perseguem’.
Devemos amar as pessoas não porque sejam atraentes, mas porque precisam de amor. O próprio fato de uma pessoa não gostar de você pode significar que ela precisa de você. Sua alma está distorcida pelo ódio que sente por você, e somente você pode aquecê-la e libertá-la. Ashley Montagu escreveu: “Mostre-me um criminoso empedernido, um delinquente juvenil, um psicopata ou um ‘peixe frio’ e, em quase todos os casos, mostrarei uma pessoa recorrendo a meios desesperados para atrair o calor emocional e a atenção que não conseguiu obter, mas que tanto deseja e precisa. O comportamento ‘agressivo’, quando totalmente compreendido, nada mais é do que amor frustrado, uma técnica para forçar o amor — bem como um meio de se vingar da sociedade que decepcionou essa pessoa, a desiludiu, a abandonou e a desumanizou. Portanto, a melhor maneira de abordar o comportamento agressivo em crianças não é por meio de mais comportamento agressivo em relação a elas, mas com amor. E isso é verdade não apenas para crianças, mas para seres humanos de todas as idades.”
Assim, duas razões principais pelas quais devemos amar nossos inimigos são: primeiro, que eles precisam de amor; e, segundo, que o amor é a única força capaz de transformar um inimigo em amigo.
Uma terceira razão é bastante óbvia. Retribuir ódio com ódio multiplica o ódio. Só o amor pode quebrar o círculo vicioso. Um homem certa vez comprou uma fazenda e estava caminhando pelos limites de sua nova propriedade quando encontrou seu vizinho. “Não olhe agora”, disse o vizinho, “mas quando você comprou este pedaço de terra, você também comprou um processo judicial comigo. Sua cerca está a três metros de distância da minha propriedade.”
Este é um início clássico para uma rixa que poderia durar séculos e criar gerações de inimigos. Mas o novo proprietário sorriu e disse: “Pensei em encontrar alguns vizinhos amigáveis aqui, e vou encontrar. E você vai me ajudar. Mova a cerca para onde quiser e me envie a conta. Você ficará satisfeito e eu ficarei feliz.”
Bem, a cerca nunca foi movida, e o inimigo em potencial nunca mais foi o mesmo. Ele se tornou um vizinho amigável. O amor apagou o fogo do ódio.
A razão suprema pela qual devemos amar nossos inimigos está expressa nas palavras de Jesus: “Amai os vossos inimigos… e sereis filhos do Altíssimo”. Todos somos filhos de Deus em potencial. Através do amor, essa potencialidade se torna realidade. Devemos amar nossos inimigos porque somente amando-os podemos conhecer a Deus e experimentar a beleza de Sua santidade.
Como?
Como é possível amar o inimigo?
1. Não é possível a menos que primeiro se ame a Deus. Jesus nos deu a pista quando disse: “Amarás o Senhor teu Deus de todo o teu coração, de todo o teu entendimento, de todas as tuas forças e de toda a tua alma, e ao teu próximo como a ti mesmo”. Se você ama a Deus com todo o seu ser, amará o seu próximo, mesmo que ele seja um inimigo. Tal amor é um dom do Espírito Santo que habita em nós.
2. “Fazei o bem aos que vos odeiam”, disse Jesus. São Paulo diz: “Se o teu inimigo tiver fome, dá-lhe de comer; se tiver sede, dá-lhe de beber… vence o mal com o bem” (Rm 12,20-21). Faça algo de bom para o seu inimigo e você se surpreenderá ao descobrir como será muito mais fácil amá-lo. Isso o ajudará a remover a amargura do seu coração. Mas vencer o mal com o bem significa que devemos dar o primeiro passo; devemos começar praticando algum ato de bondade. “O inimigo que é melhor derrotado é aquele que é derrotado pela bondade.”
Um médico sábio disse certa vez: “Exerço medicina há 30 anos e já prescrevi muitas coisas. Mas, a longo prazo, aprendi que, para a maioria dos males da criatura humana, o melhor remédio é o amor.”
“E se não funcionar?”, perguntaram-lhe.
“Dobre a dose”, respondeu ele.
3. Jesus diz: “Orai por aqueles que… vos perseguem”. Lembrai-vos deles de joelhos. Nomeai-os em voz baixa e gentil, no lugar mais secreto. Ofereça-lhes o maior privilégio que está em vosso poder conceder — o privilégio de ser lembrado quando estiverdes face a face com Deus. Ninguém pode orar por outro e ainda odiá-lo. Uma das melhores maneiras de matar a amargura é orar pelo homem que somos tentados a odiar.
4. Procurai algo de bom no vosso inimigo. Há coisas boas e más no pior de nós. Pe. João de Kronstadt escreve: “Quando seu irmão pecar contra você de alguma forma — por exemplo, se ele falar mal de você, ou transmitir suas palavras de forma pervertida a outra pessoa com má intenção, ou caluniá-lo — não se irrite com ele, mas procure encontrar nele aquelas boas qualidades que, sem dúvida, existem em todo homem, e dedique-se a elas com amor, desprezando suas calúnias malignas a seu respeito como escória, sem valor, como uma ilusão do Diabo.
Os garimpeiros não prestam atenção à quantidade de areia e sujeira no pó de ouro, mas apenas procuram os grãos de ouro; e embora sejam poucos, eles valorizam essa pequena quantidade e a lavam de montes de areia inútil. Deus age de maneira semelhante conosco, purificando-nos com grande e longa paciência.”
5. Faça o bem, ore, procure o bem em seu inimigo e, finalmente, desenvolva a capacidade de perdoar. Sem perdão, é impossível até mesmo começar o ato de amar os inimigos. Esse perdão deve começar com aquele que foi injustiçado. Somente a pessoa ofendida pode derramar as águas mornas do perdão.
“Mas amai os vossos inimigos, fazei o bem e emprestai, sem esperar nada em troca; e a vossa recompensa será grande, e sereis filhos do Altíssimo; pois ele é bondoso até para com os ingratos e egoístas. Sede misericordiosos, como também vosso Pai é misericordioso.”
Sacerdote Anthony M. Conaris
tradução de monja Rebeca (Pereira)








