– Padre Gabriel, hoje costuma-se falar sobre liberdade, e com certeza a geração mais jovem mesmo considerando-se cristã, entende mal: em espírito secular. Como adquirir as habilidades para saber diferenciar, e não substituir a liberdade em Cristo por algum tipo de liberdade externa?
A liberdade do cristão, a liberdade que Cristo nos trouxe, é de natureza religiosa. Jesus diz: “Todo aquele que comete pecado é escravo do pecado” (João 8:34); portanto, Ele veio para nos libertar precisamente da escravidão do pecado.
Cristo Se encarnou, apareceu no mundo para que a criação encontrasse seu estado original. Ou seja, nos foi dada liberdade para retornar ao estado do paraíso perdido. Isso é claramente visto na questão do divórcio. Os fariseus dizem que Moisés deu permissão para deixar suas esposas, e Cristo respondeu: “É por causa da dureza de vosso coração que Moisés havia tolerado o repúdio das mulheres” (Mateus 19: 7-8), esta é a lei para um homem caído. No início, não era assim, porque Deus cria uma mulher para um homem, e a liberdade cristã no casamento é um retorno à norma primária do paraíso, enquanto o divórcio é a permissão dentro da estrutura do pecado. Este exemplo mostra como um cristão deve realizar a liberdade em sua vida.
Um cristão, se ele vive uma verdadeira vida cristã, torna-se um homem livre neste mundo e é uma pessoa assim, mesmo quando eles podem ser privados de sua liberdade civil, trancados na prisão, em campos… Um verdadeiro cristão não renuncia à sua fé e vimos perfeitamente como nos países onde reinava o domínio comunista, os confessores da fé continuavam sendo pessoas verdadeiramente livres, mesmo presos.
A liberdade civil garantida pelas instituições democráticas não deve ser negligenciada, porque inicialmente a democracia perante a lei assumia a igualdade, mas agora essa liberdade é entendida por pessoas que não têm os fundamentos cristãos da moralidade, como uma oportunidade de fazer o que quiserem, como uma espécie de liberdade irresponsável.
Um cristão, por exemplo, percebe a liberdade como uma responsabilidade para com Deus e por suas ações, mas aqueles que abusam da liberdade agem como se não respondessem a ninguém. O cristão aqui no Ocidente deve sempre lembrar que ele é livre, mas sob a graça, e que essa liberdade lhe é dada por Deus, e diante d´Ele, responderá como a usou. Penso que a tarefa dos professores e padres ortodoxos hoje é educar os jovens sobre as fundações cristãs eles não precisam ocupar suas mentes com muita informação.
– Como entender que o encontro com Cristo aconteceu?
– É muito difícil dar uma resposta geral que seja adequada para todos. Muitas pessoas dizem que nunca encontraram Cristo, porque isso acontece em um determinado momento decisivo da vida! Isso pode acontecer no início da juventude ou cinco minutos antes da morte. O ladrão na última hora de sua vida encontrou seu Senhor… Eu posso responder a essa pergunta, guiado pela experiência pessoal, embora o monge deva falar de si o menos possível… Em geral, direi o seguinte: se uma pessoa encontra Cristo, ela tem uma experiência semelhante à experiência do apóstolo Paulo: sua vida está mudando decisivamente.
Há muita evidência de muçulmanos, sabe-se que muitos deles são convertidos ao Cristianismo. Eu tenho uma coleção de autobiografias nas quais eles falam sobre sua própria conversão como resultado de tal encontro.
Observo que estes são fatos tocantes, portanto, toda evidência autobiográfica é muito importante para nós, para entender qual é a essência de nossa fé, porque todo o resto é secundário. É importante aceitar a Cristo como o verdadeiro Deus e segui-Lo até o fim, até a morte.
– O que é arrependimento e o que não é, é simplesmente o reconhecimento dos pecados?
– Tudo tem sua própria forma secular. Por exemplo: akedia (desânimo) tem um lado religioso e um lado secular: depressão.
O desânimo, como todos os outros hábitos apaixonados, tem um efeito transcendental, isto é, afeta não apenas nossos relacionamentos com as pessoas, mas também destrói o relacionamento entre nós e Deus. O pecado como um todo destrói o relacionamento do homem e o Criador. E o verdadeiro arrependimento consiste no reconhecimento dos pecados diante do Senhor, após o qual começa o retorno do homem ao seio de Deus. Santo Agostinho diz que o pecador está de costas para Deus e que ele deve se voltar para encará-Lo. Este é o retorno do filho pródigo ao pai.
A forma secular de “arrependimento” é apenas uma admissão de que você fez algo errado e você apenas diz: “Desculpe, violei a regra aceita” – isso é tudo. Isso não é arrependimento; neste caso, você não chorará como um pecador, que realizou e reconheceu seus pecados, lamentando por causa de sua queda.
Há alegria espiritual e diversão secular. Os monges, por exemplo, usavam um tipo de humor. Nesse caso, a palavra usada com mais frequência é halyentiseste, que significa “brincar com um ente querido em um sentido amigável, muito delicadamente, sem ofender, mostrando que seu lado fraco está sempre de forma delicada”. Vamos relembrar a famosa história com o monge Antônio: um caçador viu como ele se divertia com seus monges e ficou indignado. Santo Antônio, é claro, percebeu isso, chamou-o e disse: “Coloque uma flecha no seu arco e puxe-o.” Ele fez isso. O Ancião ordenou: “Estique!” O caçador respondeu: “Não, se eu esticar demais, o arco quebrará”. Santo Antônio disse: “E na obra de Deus, se sobrecarregarmos as forças dos irmãos, eles logo ficarão aborrecidos.” Este é um exemplo de diversão e humor, não degradante, não tirando sarro.
– Na tradição ascética ortodoxa, muita atenção é dada à oração, e especialmente a de Jesus. Como no mundo moderno alguém pode se tornar participante dessa tradição ascética?
– Essa tradição de ação inteligente é muito antiga, seu surgimento não está documentada, mas as fontes também podem ser encontradas nas páginas do Evangelho no episódio com o paciente, que se volta para Cristo com uma breve oração: “Jesus, filho de David, tem piedade de mim”. Santo Agostinho sabia que os monges do Egito, onde nasceu o monaquismo, aderiam à tradição de fazer pequenas orações, e as chamava de relâmpago rápido, como uma lança.
Inicialmente, as formas de oração eram diferentes, havia toda uma gama de variações, mas sempre foi baseada no chamado de Jesus Cristo. Essa oração é um ato de humildade, por meio dela a pessoa reconhece sua necessidade da ajuda de Deus: que é uma confissão de fé. Esta oração é muito antiga, remonta aos tempos apostólicos.
Essa oração é um tesouro que sempre esteve na Igreja, e todo cristão que deseja pode aprender essa prática entrando em contato com uma pessoa com a experiência de um adorador. O famoso livro “As Histórias de um Andarilho ao Pai Espiritual” fala da busca por essa oração e de alguém que possa ensiná-la. Sabe-se que hoje [essa oração] não é apenas uma ocupação específica de monges, mas também de todos os crentes.
Quando, por exemplo, eles me pedem para abençoa-los na oração de Jesus, não recuso, e aconselho como e quantas vezes devem realizá-la, porque a oração deve estar em harmonia com a vida cotidiana. Cônjuges que têm filhos, trabalham, etc., orarão de uma maneira completamente diferente dos monges que vivem em uma caverna no Monte Athos. O mais importante não é quantidade, mas qualidade.
Você não precisa orar como os fariseus, mas ore como um publicano que não sabia como estar diante de Deus: “Tem misericórdia de mim, pecador”. O fariseu “apresentou” diante do Senhor suas obras, mas não teve um coração tocado. É muito importante a disposição interior do cristão durante qualquer oração, não apenas a oração de Jesus.
– Santo Isaac, o Sírio, no 58ª Sermão, diz que é melhor afastar a paixão lembrando a virtude do que a resistência, porque ela pode ser impressa na mente e prejudicar o espírito. O 30ª Sermão diz que é melhor afastar os pensamentos com oração, e a pessoa que faz isso realmente aprendeu a sabedoria, e não se deve contradizer os pensamentos, porque a mente será prejudicada… Como lidar com paixões e pensamentos? Afinal, esta é uma parte muito importante da austeridade cristã.
– É necessário não apenas focar na luta contra a luxúria, mas também elevar as virtudes opostas. Lutar, por exemplo, diretamente com raiva é muito difícil. Como regra, quando você começa a extinguir um lampejo de raiva, ela já se expande e se espalha bastante. Portanto, para manter a raiva sob controle, é preciso cultivar constantemente a mansidão em oposição à raiva. Não quero anunciar meus livros, mas em um deles descrevi o mecanismo de ação da paixão da raiva e a prática de cultivar a virtude da mansidão.
A mansidão não é uma virtude dos fracos, pelo contrário, nas Escrituras é uma virtude de pessoas fortes, como Moisés e David. Penso que na luta contra a raiva é melhor recordar essas imagens bíblicas, em vez de morder a língua. E, é claro, é muito importante recorrer a Deus com oração. Esta regra é aplicável para se livrar de todas as paixões.
– Em um mundo onde há muitas influências diferentes, é muito difícil manter sua identidade ortodoxa, também há a tentação de substituí-la por outra coisa. Quais são as maneiras de preservar uma identidade ortodoxa autêntica?
– Esta pergunta é me é frequentemente feita, especialmente aqui no Ocidente. Em meu monastério, aceito muitas pessoas, principalmente nativas da Ucrânia, na Moldávia. E recentemente me fizeram a mesma pergunta. Um grande número de mães forçadas a criar seus filhos no Ocidente estão preocupadas, porque elas não vivem em um ambiente ortodoxo. Mas não devemos esquecer que, no início de seu caminho, a Igreja existia nessa mesma situação, e ao mesmo tempo, não apenas mantinha sua autenticidade, mas também ganhou em grande parte. De fato, antes do Édito de Constantino, os cristãos eram obrigados a viver em uma sociedade hostil a eles, não apenas pelas autoridades, mas também por pessoas comuns. Eles tinham 1.001 razões para renunciar à fé cristã, mas os verdadeiros amantes de Deus não o fizeram.
Recentemente, tive a sorte de ler várias vidas descrevendo os ascetas dos tempos da URSS. É muito interessante conhecer esses testemunhos de fé, por exemplo, Andronicus (Lukas), que quando enviado para o campo, distribuiu tudo aos criminosos que cumpriam suas sentenças e ajuda a todos. Vendo isso, os prisioneiros começaram a defendê-lo.
A Liturgia era realizada sem livros, os anciãos sabiam tudo de cor. Li com grande interesse essas histórias do período comunista e fico surpreso com o fato de a fé não ter desaparecido e, além disso, ter reavivado após 70 anos. Até o monaquismo poderia sobreviver sem as paredes do mosteiro.
Lendo e estudando os exemplos de seus pais e avós, é importante entender como você pode manter sua fé neste mundo secular e hostil. Portanto, a Ortodoxia não é uma idéia abstrata, mas algo profundo na vida de todas as pessoas. E se estiver enraizada em nós, nada pode nos seduzir.
Gabriel Bunge
tradução de Frank Pereira
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