A palestra desta noite tentará expressar algo difícil de colocar em palavras. Tentará dar características e parâmetros a algo que, por natureza, não é tão descritível, mas sim perceptível indiretamente, mais oculto. É algo que você suspeita, em vez de algo óbvio o suficiente para ser discutido. Objetivos podem ser definidos, mas é difícil confinar experiências a estruturas verbais. Isso é especialmente verdadeiro no caso da autenticidade da experiência da fé e da graça, que tem a ver com a profundidade mais íntima da natureza humana, a verdade sobre nós, um mistério que se desdobra continuamente. Não se trata tanto de uma exposição, uma expressão ou um modo de comportamento ao qual as pessoas se conformam.
Quando uma experiência é espiritualmente autêntica, ela manifesta o aspecto divino da pessoa que a vivencia, mas quando não o é, impede que a graça de Deus atue em sua vida. É por isso que a autenticidade é um pré-requisito necessário para a vida espiritual.
Então, como devemos abordar a autenticidade da experiência? Como devemos defini-la? Como podemos senti-la? Certamente não é uma questão intelectual. Por isso, não vamos concentrar nossos esforços em tentar entender o que virá a seguir, nem tomar notas para o caso de esquecermos algo. E não vamos submeter a inocência da nossa espontaneidade a um processo de avaliação acadêmica, para garantir que tudo esteja absolutamente correto. Esta palestra não é reflexiva no sentido de gerar bons pensamentos ou visões críticas corretas. Nem é persuasiva no sentido de nos forçar a seguir o caminho monótono e unilateral da concordância confortável e complacente. O discurso será, antes, simples e sincero, num esforço para evocar sentimentos pessoais de reconhecimento em cada um de nós. É por isso que o que vocês ouvirão não é oferecido pelo palestrante como conhecimento ou um ponto de vista, mas sim como uma oportunidade de compartilhar.
Portanto, ao longo desta palestra, que cada um de nós veja quem realmente somos. Não se trata do que é certo ou errado no que está sendo dito, mas sim da nossa relação com a verdade. Não se trata da época em que vivemos, mas sim de como vivemos, do lugar que Cristo ocupa em nossos corações e de como a distância entre nós e a Sua graça se define em nosso caso específico. E também como funcionam os nossos desejos, como os nossos objetivos são definidos, qual é o significado da nossa vocação como “filhos de Deus” [Rm 8, 21], como “irmãos de Cristo”, como cidadãos do seu reino, como “convidados para o seu banquete” [Ap 19, 9].
As palavras do Senhor no Evangelho são bastante categóricas: “Quem não está co´Migo está contra Mim” [Mt 12, 30]; “Ninguém pode servir a dois servos” [Mt 6, 24]; “Se alguém quiser vir após Mim, tome a sua cruz e siga-Me” [Mc 8, 34]; e “Se a vossa justiça não for muito superior à dos fariseus e mestres da lei, de modo nenhum entrareis no Reino dos Céus” [Mt 5, 20]. O Senhor ignorou o direito humano de um dos Seus discípulos de comparecer ao funeral do Seu pai [Mt 8, 22]; Ele predisse sofrimentos e provações para aqueles que O seguiam [Mateus 3, 17-34]; repreendeu os mornos [Apocalipse 3, 15]; exigiu a ‘única’ coisa que faltava e propôs a perfeição (‘se quiserdes ser perfeitos’) [Mateus 19, 21; Efésios 4, 13; Tiago 1, 4].
Deus é absoluto. Ele contém e oferece tudo o que possui plenitude, assim como o Seu Próprio Ser em forma perfeita. Ele é o Ser, Ele é Tudo. A verdade de Deus nos preenche, mas também nos deixa com a sensação de que transcendemos nossa plenitude. É algo mais, algo que nós, humanos, não podemos assimilar. Nesse sentido, o que Deus exige daqueles que O seguem não é força inabalável nas dificuldades — sua graça proverá isso —, mas sim consentimento genuíno, intenções verdadeiras e decisões coerentes. Somente assim nos tornamos compatíveis com Deus. Somente assim podemos seguir Seus passos e reconhecer Seus rastros.
Metropolita Nikolaos de Mesogaia e Lavreotiki
tradução de monja Rebeca (Pereira)
