“TRAZEI-OS AQUI E TRUCIDAI-OS EM MINHA PRESENÇA”

À primeira vista, o versículo “Quanto a esses meus inimigos, que não queriam que eu reinasse sobre eles, trazei-os aqui e trucidai-os em minha presença” (Lc 19,27) pode causar estranhamento. Como conciliar essa frase com o Cristo manso e compassivo, que perdoa os que O crucificam e que chama todos ao arrependimento? A chave está em entender o contexto e a linguagem simbólica da parábola, e em olhar para ela com os olhos dos Santos Padres.

1. Compreender o contexto alegórico da parábola

Essa frase não é uma ordem literal de Cristo. Ela aparece como parte da Parábola das Dez Minas, uma história que Ele conta para ensinar algo sobre o Reino de Deus. O “rei” da parábola representa Cristo, e os servos representam cada um de nós. Assim como em tantas outras parábolas, Ele usa imagens fortes para despertar o coração do ouvinte.

Quando a parábola fala de “matar os inimigos”, está expressando em linguagem humana a seriedade das escolhas espirituais. Nosso Senhor não manda matar ninguém, e não está falando de violência histórica ou material. Ele está mostrando que rejeitar o Reino de Deus não é um gesto leve, mas uma decisão que tem efeitos profundos na própria vida da pessoa.

2. A liberdade humana e suas consequências

Deus não força ninguém a amá-Lo ou a segui-Lo. A liberdade é um dos maiores dons que recebemos. Na visão patrística, o amor só é verdadeiro quando é livre. Por isso, Deus respeita absolutamente as escolhas humanas, até aquelas que O rejeitam.

Mas toda liberdade traz responsabilidade. Quem decide afastar-se de Deus decide, ao mesmo tempo, afastar-se da fonte da vida. Não é Deus que “mata”; é a própria pessoa que escolhe um caminho de morte espiritual ao fechar-se à luz. Os Padres dizem que o inferno não é um castigo externo, mas uma condição interior: o estado de quem recusa o amor de Deus.

3. Deus é amor, mas também é justo

Na tradição da Igreja, Deus não divide Seu amor de Sua justiça. Ele é inteiramente ambos. Seu julgamento não é expressão de raiva ou revanche, mas consequência natural da verdade. Quando Cristo fala de morte, destruição ou juízo, Ele nos alerta para o destino de uma alma que se recusa a ser curada. A separação de Deus — chamada nas Escrituras de “morte” — não nasce do desejo divino de punir, mas da insistência humana em afastar-se da fonte da vida. Como ensina Santo Isaque, o Sírio: “O fogo do inferno é o amor de Deus vivido como dor por aqueles que o rejeitam.”

4. A “morte” da parábola é espiritual, não física

“Matai-os diante de mim” é uma imagem pedagógica. Cristo usa a figura de um rei humano para mostrar que ninguém pode permanecer neutro diante do Evangelho. A “morte” aqui é espiritual: a perda da comunhão com Deus, o fechamento voluntário do coração, a escuridão livremente escolhida. Nada nessa passagem justifica violência, guerra ou perseguição. Cristo não manda eliminar pessoas, mas eliminar o pecado. É uma advertência, não uma sentença. É o convite para acordarmos, não um decreto de destruição.

5. A mensagem final é de misericórdia e esperança

Mesmo quando fala de juízo, Cristo o faz como quem adverte um filho para que volte ao caminho da luz. Ele próprio sobe à cruz por aqueles que O rejeitaram. Seu reino não é sustentado por espada, mas pelo sacrifício de Si mesmo. A intenção da parábola é clara: não desperdiçar a graça recebida, não desprezar o amor oferecido, não ignorar o chamado ao arrependimento. Deus “não quer que ninguém pereça, mas que todos cheguem ao conhecimento da verdade” (2Pd 3,9). A porta da misericórdia está sempre aberta, até o último instante.

Esse versículo não revela dureza em Cristo, mas seriedade na nossa vocação. Ele é o Amigo que nos chama à vida, que respeita nosso caminho, mas que também nos lembra que a salvação não acontece sem a nossa resposta. Quem escolhe a luz vive. Quem rejeita a luz entra na sombra. Cristo, porém, continua oferecendo Sua mão a todos, até o fim.


22. 11. 2025
+ Bispo Theodore El Ghandour 

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Aurora Ortodoxia é um labor online missionário de cristãos ortodoxos brasileiros de distintas jurisdições canônicas, dedicado ao aprofundamento e iluminação daqueles que se interessam em conhecer a Fé Ortodoxa por meio da experiëncia da Santa Tradição.

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