“SEREI COMO O ALTÍSSIMO” – AS ETAPAS DE DESENVOLVIMENTO DO ORGULHO

Como qualquer outra paixão, o orgulho cria raízes gradualmente em uma pessoa, como uma erva daninha. Tudo pode começar com uma confiança inofensiva nas habilidades de alguém, e às vezes, tal confiança se torna até mesmo necessária, terminando em uma terrível arrogância… dando origem a um árbitro de destinos humanos, sem mencionar o próprio…

De acordo com os textos das Escrituras Sagradas, dos Santos Padres e Ascetas da piedade, o enraizamento da paixão do orgulho humano pode ser um tanto arbitrário, mas, no entanto, claramente, dividido em quatro “estágios”. A princípio, um homem, apoiando-se apenas em sua própria força, através da vaidade, individualidade e prazer próprio, afasta-se de Deus. Então ele se torna cada vez mais teimoso, cada vez mais resistente às instruções de Deus. Depois que sua paixão cresce nada pode saciá-la e satisfazê-la. Finalmente, parece ao homem que ele pode fazer qualquer coisa. Esta é a etapa final e mais terrível do desenvolvimento da paixão do orgulho. Vejamos todas essas etapas.

1. O abandono a Deus e a Autoconfiança

O Livro do Eclesiástico de Jesus Ben Sirac mostra o caminho da origem do pecado em uma pessoa: “O início do orgulho num homem é renegar a Deus, pois seu coração se afasta daquele que o criou” (Sir. 10:14). O próprio Senhor fala do povo de Israel através do profeta Oséias: “Tendo pastado, estavam cheios; e quando estavam cheios, seu coração foi exaltado e, portanto, eles se esqueceram de Mim” (Oséias 13: 6). Moisés também advertiu o povo israelense: Não suceda que, depois de teres comido à saciedade, de teres construído e habitado formosas casas, de teres visto multiplicar teus bois e tuas ovelhas, e aumentar a tua prata, o teu ouro e o teu bem, o teu coração se eleve, e te esqueças do Senhor, teu Deus, que te tirou do Egito, da casa da servidão… Não digas no teu coração: a minha força e o vigor do meu braço adquiriram-me todos esses bens.” (Dt. 8:12, 14, 17).

Assim, a Sagrada Escritura chama a atenção para como essa paixão surge em uma pessoa – ele se esquece de Deus, e só tem esperança em sua própria força: “a minha força e o vigor do meu braço adquiriram-me todos esses bens” (Dt 8:17). E em outro lugar, o profeta dos israelitas denuncia o que eles dizem: “Não é por nossa força que ganhamos poder?” (Am. 6:13). O profeta Jeremias se dirige aos moabitas dizendo que essa autoconfiança se torna a razão da convicção do Senhor: “Porque puseste a confiança nos teus ídolos e nos teus tesouros, tu também serás tomada” (Jr 48: 7).

O afastamento de Deus leva a uma crescente esperança nas próprias forças: “Eles confiam em seus bens, e se vangloriam das grandes riquezas” (Salmo 48: 7), no qual os orgulhosos até esquecem a temporalidade de sua permanência na terra, pensando que suas casas serão eternas e que suas habitações são boas e agradáveis, “dando a regiões inteiras seus nomes” (Salmo 48:12), e dizem em seus corações: “Eu não serei abalado, jamais terei má sorte” (Salmo 9:27). David também revela em outro salmo um homem que esperava muito de sua riqueza, e não em Deus, prevalecendo sua maldade (Salmo 51: 9), indicando que essa pessoa estava enraizada em mal.

Os Santos Padres, compreendendo o surgimento e o desenvolvimento da paixão do orgulho no homem, também dizem que “o princípio do orgulho é a ignorância de Deus” (São João Crisóstomo), e também que “o orgulho é a rejeição de Deus” (São João Clímaco, São Gregório Palamas, São Inácio Brianchaninov, São Teófano, o Recluso). 

No desenvolvimento da paixão do orgulho, de acordo com os ensinamentos dos Santos Padres, podemos distinguir os seguintes estágios:

1) O começo – com a vaidade sendo uma raiz;

2) O meio – com “a humilhação do próximo, a pregação vergonhosa das próprias obras, auto-elogios no coração, ódio à convicção”;

3) O fim – com “a rejeição da ajuda de Deus, a esperança da perfeição, sendo uma predisposição demoníaca”.

O primeiro estágio, é pouco perceptível para a própria pessoa, é o enraizamento nela de um sentimento de amor próprio (auto-estima, satisfação própria, complacência, narcisismo, autoconfiança). O segundo estágio da vaidade está associado a um desejo cada vez maior de honras e buscas por glórias humanas. Ao mesmo tempo, um pensamento característico e um sentimento secreto de que “sou algo, e não nada” está enraizado em uma pessoa [12]. No terceiro e último estágio, o orgulho já se manifesta em todos os assuntos e em todas as ações do homem. Uma característica dele é “auto-estima e bem-estar, um sentimento de que eu não sou apenas algo, mas também algo importante tanto diante das pessoas quanto diante de Deus”.

A paixão do orgulho vai surgindo gradualmente na pessoa, como ensina o monge Gregório de Sinai, que é impossível fazer algo de bom ou ruim sem antes ser animado por pensamentos e aplica-los posteriormente. Em outras palavras, tudo começa com o pensamento e, em seguida, a atividade ocorre. Os pecados e paixões gradualmente se infiltram em nossa alma, toma posse da mente, e depois do coração e, finalmente, da vontade, tornando o homem um escravo da paixão.

O pensamento do “diabo” direcionado para o solo do coração humano cresce gradualmente ao longo do tempo, passando de um pequeno grão para uma árvore pecaminosa inteira. Em outras palavras, a ação da paixão surge na pessoa a partir de uma discussão. São Gregório do Sinai diz que “o pretexto é uma sugestão originária do inimigo: faça uma coisa ou outra, assim como Cristo foi tentado, nosso Deus: que esta pedra seja pão” (Mateus 4: 3).

A paixão do orgulho “a princípio não nos leva descaradamente a rejeitar Deus”. No inicio, uma pessoa não percebe que, embora continue agradecendo a Deus, ela já o rejeita com o coração. Como o fariseu do evangelho, ele louva a Deus, mas ao mesmo tempo se exalta em seus pensamentos. O fim do orgulho é “a rejeição da ajuda de Deus, a esperança ao meu próprio temperamento diabólico”. Quando uma pessoa aceita a idéia de que ela é algo, e não nada, quando a justiça que se faz por si mesma e a auto-estima são fortalecidas no coração humano, o orgulho inevitavelmente leva à perda da fé em Deus.

Remover uma pessoa de Deus é, de acordo com o monge Isaac, o sírio, o meio que o diabo usa para combater até aqueles que “já trabalharam duro no caminho de uma vida de caridade”. Assim, uma pessoa é privada da ajuda graciosa de Deus, tornando-a disponível para a ação inimiga. “Ao mesmo tempo, o diabo quer deslumbrar a mente de uma pessoa que está sendo ajudada, para que se torne desamparada, gerando pensamentos orgulhosos nela, para que ela pense em si mesma como se toda a sua fortaleza dependesse de si mesma…”. Agora, tendo se estabelecido nesse pensamento, de acordo com Isaac, o sírio, a pessoa discute a vitória sobre o inimigo, a impotência do inimigo, aceitando os pensamentos com os quais o inimigo se aproxima, e assim se entrega gradualmente a suas mãos. Tendo a certeza de sua força, uma pessoa não confia mais em Deus e O esquece.

São Gregório Palamas, em um de seus discursos sobre as atrocidades cometidas no mundo, enfatiza que uma importância considerável disso pertence às aspirações orgulhosas das pessoas: “A mente que se afastou de Deus se torna como o demônio… Ele quer ser honrado por todos… Para que todos o bajulem, o aprovem e contribuam com seus planos, e se eles não se realizarem de acordo, fica indomável e cheio de fúria; E é comparado a um assassino – Satanás… E tudo isso por uma razão: a retirada do temor e da memória de Deus da mente (alma), e a aceitação da assistência do inimigo maligno desde o princípio (diabo)”.

Santo Inácio Brianchaninov também associa a retirada de Deus com o voltar-se a si mesmo: “A presunção e o orgulho, em essência, consistem em rejeitar a Deus e em adorar a si mesmo”. Além disso, ele também aponta o abandono da memória de Deus por uma pessoa que caiu em um estado de orgulho: “A vaidade vem da profunda ignorância de Deus ou do profundo esquecimento de Deus, do esquecimento da eternidade e da glória celestial”.

Resumindo a experiência dos Santos Padres, a base das paixões e, em particular, a paixão do orgulho, São Teófano chama de egoísmo (auto-estima, satisfação, amor próprio). Ele descreve o seu desenvolvimento da seguinte forma: “Quando uma pessoa deseja e pensa com o coração, ela se afasta de Deus e, naturalmente habita em si mesma – se coloca como um foco ao qual tudo é dirigido, ignorando preceitos divinos, e o bem dos outros”.

A paixão do orgulho difere fundamentalmente das outros, porque o orgulho se torna demasiadamente evidente. Uma pessoa arbitrariamente se encontrando em tal estado, a partir do momento “que levou ao coração a primeira bajulação da serpente: ‘você será como Deus’, então, ela começa a se exaltar acima de todos. O que é uma característica definida pela sociedade”. O orgulho, de acordo com São Teófano, é “um desejo insaciável por se alto exaltar, ou uma intensa busca por objetos sobre os quais alguém pode se tornar mais elevado que os outros”.

Examinando tal estado, São Teófano citando opiniões importantes, compara a vaidade com a serpente escondida no fundo do coração humano: “O amor próprio é a mãe de males incalculáveis. Quem o detém entra em aliança com todas as outras paixões”. Segundo o consenso dos Santos Padres, como São Teófano, o Recluso, observa-se que o orgulho é um dos primeiros derivados do ego. São Máximo, o Confessor, fala diretamente sobre isso: “Cuidado com a mãe do mal – o egoísmo. Através dele, nascem os três primeiros pensamentos apaixonados – gula, amor ao dinheiro e vaidade, de onde nascem toda a rede do mal”, outros santos pais também ensinam isso.

2. Aumento da teimosia e perseverança contra a lei de Deus

No livro do profeta Neemias, é mencionado a teimosia desmedida do povo de Israel em ir contra o caminho reto de Deus, sendo fruto do orgulho: “Mas os nossos pais, em seu orgulho, endureceram a cerviz e não observaram os vossos mandamentos” (Neemias 9:16). O texto neste caso indica que estamos falando sobre o pecado do orgulho. A confissão desta transgressão acontece duas vezes: “Vós os conjurastes a voltar à vossa lei, mas eles, em sua arrogância, não escutavam vossas objurgações, transgrediam vossas ordens, que dão a vida ao homem que as observa; nada mais mostraram que ombros rebeldes, cabeças altivas e ouvidos surdos” (Neemias 9: 29). E o salmista em Nome do Senhor diz: “Mas o Meu povo não ouviu a Minha voz, e Israel não Me obedeceu; portanto, deixei-os à teimosia de seus corações; deixei-os que andem segundo seus pensamentos (Salmo 80: 12-13).

Um homem caído negligencia cada vez mais a Deus chegando até a negar Sua própria existência: em sua arrogância, o ímpio negligencia o Senhor Deus: “Deus não procurará”. Em todos os seus pensamentos: “Deus não existe!”. Mas em todos os momentos, seus caminhos são fatais; Age como se os julgamentos de Deus estivessem longe dele; Ele olha para todos os seus inimigos com desdém; Diz em seu coração: “Nada me abalará, jamais terei má sorte”; Também diz: “Deus esqueceu, fechou o rosto, nunca verá” (Salmo 9: 25, 27, 32).

O livro de Job, também fala da vida dos iníquos, da oposição a Deus que está diretamente associada ao orgulho: “A tribulação e a angústia vêm sobre ele como um rei que vai para o combate, porque levantou a mão contra Deus, e desafiou o Todo-Poderoso, correndo contra ele com a cabeça levantada, por detrás da grossura de seus escudos;” (Job 15: 24-26).

O extremo grau da crescente perseverança contra Deus também pode ser encontrado no profeta Jeremias, que nos diz o que o Senhor falou aos habitantes de Jerusalém: “desvie cada um do seu mau caminho e corrija o vosso proceder e vossas ações. É inútil responderão eles: não espere, viveremos de acordo com nossos pensamentos e faremos cada um de acordo com a obstinação de nosso coração maligno” (Jr 18: 11-12).

O apóstolo Paulo, exortando os tessalonicenses a não fazerem nada ilegal e egoísta aos irmãos, escreveu: “Por conseguinte, desprezar estes preceitos é desprezar não a um homem, mas a Deus, que nos deu o Seu Espírito Santo” (1 Tessalonicenses 4: 8). Também nas palavras do Salvador: “Quem vos ouve, a mim ouve; e quem vos rejeita, a mim rejeita; e quem me rejeita, rejeita aquele que me enviou” (Lucas 10:16).

3. A paixão do orgulho contém um caráter insaciável e insatisfatório

As Escrituras indicam que a paixão do orgulho em uma pessoa não pode ser saciada e satisfeita: “Um homem arrogante, como um vinho errante, não se acalma, dilata a goela como a voragem da habitação dos mortos, e se mostra tão insaciável como a morte; ele junta para si todas as nações, e captura para si todos os povos” (Habacuc. 2: 5).

Tal insaciabilidade é revelada também na história do profeta Habacuc sobre os caldeus: “Você pode ver que esse povo é cruel e desenfreado, que caminha pelas latitudes da terra para tomar posse de aldeias que não lhe pertencem. Ele é aterrorizante e ameaçador; dele próprio vem seu julgamento e sua autoridade; Depois passam como o vento e prosseguem; homens carregados de culpa, e que consideram a própria força como á Deus.” (Habacuc. 1: 6 – 7, 11). Por sua força, não reconhecem outro julgamento sobre si mesmos, exceto o próprio.

4. Semelhança com o diabo: “Serei como o Altíssimo”

A Sagrada Escritura diz que a exaltação humana é comparada ao diabo, o Senhor Deus através do profeta Ezequiel expõe a loucura do homem: Eis o que diz o Senhor Deus: Teu coração elevou-se; tu disseste: sou um deus assentado sobre um trono divino no coração do mar. Quando não passas de um homem, e não és um deus, tu te julgas em teu coração igual a Deus; Far-te-ão descer à fossa, morrerás como um decapitado no coração do mar.” (Ezequiel 28: 2, 8). 

E em outro lugar o Senhor repreende: “Quando o Senhor tiver terminado a sua obra no monte Sião e em Jerusalém, ele punirá a linguagem orgulhosa do rei da Assíria e seus olhares insolentes. Porque ele disse: Foi pela força de minha mão que eu agi, e pela minha destreza, porque sou hábil” (Isaías 10: 12-14).

Em resumo, repetimos que a paixão do orgulho em seu desenvolvimento passa por várias etapas. Tudo começa com um pensamento menor introduzido, que se infiltra na mente humana e excita aspirações arrogantes. Tendo aceito a idéia, uma pessoa começa a construir sua vida com base em marcos falsos. Tendo se estabelecido em pensamentos arrogantes, uma pessoa não precisa mais de Deus, confia apenas em sua mente e, no final, começa a se servir, tornando-se um idólatra.

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Hieromonge Kirill (Popov)

tradução de Frank Pereira

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Aurora Ortodoxia é um labor online missionário de cristãos ortodoxos brasileiros de distintas jurisdições canônicas, dedicado ao aprofundamento e iluminação daqueles que se interessam em conhecer a Fé Ortodoxa por meio da experiëncia da Santa Tradição.

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