A expressão “Santíssima Mãe de Deus, salva-nos” acompanha o cristão ortodoxo desde o amanhecer até a noite. Está nos lábios do povo simples, nos ofícios diários e nas grandes festas. Para quem olha de fora, parece uma frase ousada. Mas, quando mergulhamos na fé da Igreja, percebemos que ela nasce da certeza de que toda salvação vem de Cristo, e que a Mãe de Deus participa desse mistério como intercessora e serva fiel.
A Igreja nunca proclamou a Mãe de Deus como fonte da salvação. Ela não redime, não concede vida eterna, não substitui o sacrifício da Cruz. O único Salvador é o Senhor Jesus Cristo. Mesmo assim, a Igreja a invoca com total confiança, porque Cristo mesmo quis que sua obra chegasse a nós por meio de relações vivas, de pessoas que cooperam com a graça e ajudam os outros a permanecer no caminho da vida.
Intercessão que nasce do amor
Quando pedimos: “Santíssima Mãe de Deus, salva-nos”, estamos dizendo: ajuda-nos a permanecer no caminho da salvação, guarda-nos do pecado, conduz-nos ao teu Filho. É o mesmo sentido que São Paulo expressa quando fala de sua missão de cooperar para a salvação de outros:
• “Cuida de ti mesmo e da doutrina… assim salvarás tanto a ti como aos que te ouvem.” (1 Tm 4:16)
Ele não se coloca como salvador, mas como instrumento. Isso vale para a Mãe de Deus de forma muito mais profunda. Se o apóstolo pode, pelo seu cuidado pastoral, “salvar” outros, quanto mais aquela que carregou o Salvador em seu seio, que permaneceu fiel junto à Cruz e que recebeu do próprio Cristo a missão de ser Mãe da Igreja.
Participar na salvação dos outros
Em Romanos, São Paulo diz: “Torno honroso o meu ministério, para ver se consigo provocar ciúmes nos da minha raça e salvar alguns deles.” (Rm 11:13–14)
Novamente, vemos a palavra “salvar” aplicada à ação humana. A graça é de Cristo, mas o coração que ama coopera. Também nós influenciamos a salvação uns dos outros. Às vezes por palavras, outras por exemplo, outras ainda pelo simples fato de carregar o outro nas nossas orações.
Se isso vale para apóstolos pecadores e frágeis, quanto mais vale para a Mãe de Deus, que recebeu de Deus um papel único na história da redenção.
A Mãe que aponta sempre para o Filho
A intercessão da Theotokos não cria uma obra paralela. Ela ilumina a obra de Cristo, fortalecendo cada crente a permanecer fiel: “O testemunho de Cristo foi confirmado entre vós.” (1 Co 1:6)
“Isto acontece para a vossa consolação e salvação.” (2 Co 1:6): O consolo que recebemos do céu não é algo abstrato. Ele chega por meio dos santos. E a Mãe de Deus é chamada, desde os primeiros séculos, de “amparo dos cristãos”, porque intercede, consola e fortalece o coração que vacila. Sua missão é sempre a mesma: aproximar o discípulo do seu Filho.
Por isso a iconografia ortodoxa quase nunca a retrata sozinha. Ela sempre sustenta o Menino, aponta para Cristo ou dirige o olhar para Ele. Ela é a ponte, não o destino. É a Mãe que oferece o Filho e, ao mesmo tempo, oferece os filhos ao Filho.
A intercessão que revela a vontade de Cristo
No Evangelho de João, Cristo deixa claro que o Filho só faz o que vê o Pai fazer: “O Filho nada pode fazer por si mesmo, se não vir o Pai fazer… o Pai mostra ao Filho tudo o que faz.” (Jo 5:19–20)
A Mãe de Deus vive desse mesmo espírito: tudo nela é obediência, entrega e união com a vontade divina. Sua intercessão não é um desvio da vontade de Deus, mas expressão dessa própria vontade. Se pedimos sua ajuda, é porque reconhecemos que Cristo quis exaltá-la e torná-la intercessora por nós.
A misericórdia que busca o caído
A carta de Judas, tão breve e tão direta, diz: “Tende compaixão dos que vacilam.” (Judas 1:22-23)
A Mãe de Deus encarna esse mandamento. Ela conhece nossas quedas, apoia quem tropeça e segura quem perdeu a coragem. Muitos fiéis testemunham que, quando não conseguem mais levantar a própria cabeça, basta chamá-la. Ela não substitui Cristo, mas caminha conosco até Ele.
Por que dizemos “salva-nos”?
Porque sabemos que:
• Cristo é o único Salvador.
• A Mãe de Deus coopera com essa salvação como intercessora.
• Pedir a ajuda d´Ela é pedir auxílio para permanecer no caminho de Cristo.
• Seu amor materno alcança lugares onde nossa força já não chega.
• A Igreja sempre experimentou Sua presença como proteção, consolo e guia.
Assim como pedimos ao sacerdote: “Pai, reze por mim”, e como São Paulo dizia que “salvava alguns” através do seu ministério, a Igreja inteira clama à Mãe do Salvador, cheia de confiança:
“Santíssima Mãe de Deus, salva-nos.”
É um grito humilde. É a súplica de quem sabe que não caminha sozinho. E é também uma confissão de fé: ela nos salva conduzindo-nos ao único que salva de verdade, o Senhor Jesus Cristo, Filho eterno do Pai, luz do mundo e vida de todos os que Nele esperam.
12.12.2025
+ Bispo Theodore El Ghandour







