Há momentos em que o mal age de forma tão sutil que não percebemos de onde vem o golpe. Ele não aparece com chifres nem com rosto de inimigo declarado, mas se esconde por trás de palavras, conselhos e amizades aparentemente sinceras. Um dos ataques mais dolorosos do inimigo é quando ele coloca um amigo contra outro, transformando o laço da confiança em um campo de disputa e interesse.
Nas Escrituras, vemos isso claramente na história de David e Saul. Saul amava David e o tinha como um filho, mas o ciúme e o medo de perder o trono foram sementes plantadas pelo inimigo. Assim, o amor se tornou desconfiança, e a amizade, perseguição. David, porém, nunca retribuiu o mal com o mal. Mesmo tendo oportunidades de se vingar, poupou Saul e disse: “Não levantarei a minha mão contra o ungido do Senhor” (1Sm 24:10). A atitude de David mostra que o coração fiel não se contamina com o jogo dos interesses, mas permanece firme diante de Deus.
Também Judas Iscariotes foi seduzido pelo mesmo espírito. O amor e a confiança que o Senhor lhe deu foram trocados por trinta moedas de prata. O mal usou a fraqueza de Judas — sua ambição e desilusão — para colocá-lo contra Aquele que o havia chamado amigo. É triste, mas verdadeiro: o inimigo trabalha dentro das relações mais próximas, porque sabe que a ferida de um amigo dói mais do que a de um inimigo.
Entre os santos da Igreja, há exemplos dessa verdade. São João Crisóstomo sofreu traições de pessoas que antes o chamavam de irmão. Mesmo assim, ele escreveu: “Não é o insulto que nos faz mal, mas o consentimento interior ao ódio.” O santo ensinava que, quando o mal tenta usar alguém contra nós, a verdadeira batalha não é externa, mas dentro do coração: para não permitir que a mágoa se transforme em amargura.
São Nectário de Egina também viveu a experiência amarga da calúnia. Injustamente acusado por pessoas próximas, foi afastado de sua posição episcopal no Egito e humilhado publicamente. No entanto, nunca se defendeu com raiva. Continuou servindo a Deus com humildade e amor. Sua paciência fez com que, anos depois, todos reconhecessem sua santidade. Ele venceu não com palavras, mas com silêncio e fidelidade.
Essas histórias nos mostram que o mal se alimenta de interesses, orgulho e inveja. Quando ele tenta colocar um amigo contra nós, o objetivo é dividir, enfraquecer e apagar a luz da comunhão. A resposta cristã deve ser a mesma de Cristo diante de Judas: amor até o fim, sem conivência com o pecado, mas também sem perder a compaixão por quem se deixou enganar.
No fim, o mal sempre se destrói por si mesmo, porque vive do engano. Já a amizade verdadeira, quando enraizada em Cristo, resiste a qualquer manipulação. Por isso, se um dia te traírem, ora. Se te caluniarem, guarda o silêncio. Se te usarem em um jogo de interesses, lembra-te que Deus não é jogado por ninguém. Ele vê, pesa e age no tempo certo.
E quem permanece fiel ao amor e à verdade, ainda que sozinho por um tempo, nunca está realmente só, porque Cristo está ao lado daqueles que não se deixam vencer pelo mal, mas o vencem com o bem (Rm 12:21).
26.10.2025
+ Bispo Theodore El Ghandour








