Há uma parábola moderna muito simples e, ao mesmo tempo, reveladora. Diz-se que, se colocarmos cem formigas pretas e cem formigas vermelhas em um mesmo frasco, nada acontece. Elas convivem em paz. Mas, se alguém agitar o frasco, elas se atacam até a morte, acreditando que o inimigo é a outra cor.
O problema, portanto, não está nas formigas, mas em quem agitou o frasco. Com essa imagem podemos refletir sobre o drama da humanidade moderna. Vivemos em um mundo constantemente “agitado” por forças que semeiam confusão, medo e divisão. O homem moderno, saturado de informações, ideologias e paixões, perdeu a capacidade de reconhecer o verdadeiro inimigo: não o outro ser humano, mas o espírito do mal que instiga o ódio e a desunião.
São Paulo nos adverte com clareza: “Pois a nossa luta não é contra a carne e o sangue, mas contra os principados, contra as potestades, contra os dominadores deste mundo tenebroso, contra as forças espirituais do mal nas regiões celestes.”(Efésios 6:12) No entanto, a humanidade, distraída e alienada, continua a lutar “contra a carne e o sangue”. Irmãos se voltam contra irmãos; povos contra povos; ideologias contra ideologias. Tudo porque o “frasco” está sendo agitado por aqueles que se beneficiam da desordem, da confusão e do medo.
Os Santos Padres sempre alertaram que a maior vitória do demônio é fazer o homem enxergar o próximo como inimigo, e não o pecado.
São João Cassiano escreveu: “O demônio não teme tanto os jejuns e as vigílias quanto a união entre os irmãos. Onde há divisão, ali o Espírito Santo não habita.”
Do mesmo modo, São Basílio, o Grande, dizia que “o diabo não cria nada, apenas divide o que é inteiro”. E é isso que vemos hoje: a humanidade fragmentada, agitada por disputas políticas, sociais, religiosas e pessoais, perdendo o sentido do que realmente importa — a comunhão com Deus e com o próximo.
As redes sociais, a mídia e os poderes econômicos tornaram-se as mãos que agitam o frasco. Alimentam a polarização, a inveja e a desconfiança. O ser humano moderno, cercado por vozes e opiniões, já não ouve o silêncio de Deus no coração. Esquece-se de olhar para dentro e discernir o que vem do Espírito e o que vem do inimigo.
Santo Antônio, o Grande, alertava no deserto: “Virão tempos em que os homens se comportarão como loucos e, ao verem alguém que não é louco, se voltarão contra ele, dizendo: ‘Tu és louco’, porque não é como eles.” Essa profecia parece descrever nosso tempo. A confusão se tornou norma. A serenidade é vista como indiferença; a fé como fanatismo; a prudência como fraqueza. O frasco está em constante movimento.
A Igreja Ortodoxa nos ensina que a única maneira de sair desse ciclo é permanecer firmes na sobriedade espiritual — a nípsis.
Quando o mundo é agitado, o cristão deve permanecer imóvel no coração. Cristo, diante do ódio, respondeu com perdão. Diante da confusão, respondeu com silêncio e verdade. Diante da morte, respondeu com a Ressurreição.
O Senhor disse: “Bem-aventurados os pacificadores, porque serão chamados filhos de Deus.” (Mateus 5:9) Ser pacificador não é ser passivo, mas permanecer lúcido quando todos perdem o discernimento. É recusar-se a ser manipulado por quem agita o frasco. É enxergar no outro, ainda que diferente, uma imagem viva de Deus.
O maior problema da humanidade moderna não é o conflito em si, mas a cegueira espiritual que impede o homem de ver quem realmente o está agitando. Enquanto nos atacamos uns aos outros, esquecemos que há um inimigo comum que se alegra com nossa divisão.
Os Santos Padres nos chamam a uma vigilância constante do coração. O cristão deve perguntar-se todos os dias: “Quem está agitando o meu frasco hoje? As paixões, o orgulho, a mídia, o medo?” A verdadeira liberdade começa quando paramos de reagir ao movimento do mundo e passamos a viver enraizados em Cristo.
Só assim a humanidade poderá reencontrar a paz que perdeu.
14.10.2025
+ Bispo Theodore (El-Ghandour)
