Certa vez, por ocasião de um fórum de psicólogos ortodoxos, uma pergunta muito interessante foi feita:
“Agora, na Psicologia, a ideia de defender “limites pessoais” é muito popular. Mas tenho a sensação de que isso simplesmente contradiz a herança patrística. Pelo que entendi: impor limites é exigir algo do outro em relação a si mesmo. Mas qualquer exigência desse tipo é violência, pressão sobre o livre arbítrio de outra pessoa… Existem duas opções aqui: ou vivemos no “espaço do amor” ou no “espaço do poder”. E defender os limites, ao que parece, é uma “canção” da segunda “ópera”. Por que exigir, empurrar? Só para esmagar, assustar? Onde está Cristo aqui?”
O termo “limites pessoais” na Psicologia consiste no fato de cada pessoa ter seu próprio espaço pessoal: físico e psicológico, incluindo interesses, princípios e crenças individuais. Esse espaço individual é separado portanto de outras pessoas, por limites ou molduras invisíveis que não podem ser ultrapassados. Alguém pode dizer o seguinte: limites pessoais é um quadro que limita o comportamento dos outros e mostra: assim você pode me tratar, e assim não é possível.
Vivemos em um mundo onde as pessoas constantemente se empurram com os cotovelos e de uma forma ou de outra violam os limites das outras pessoas. Nem todas as pessoas são diplomáticas e educadas, as normas de comunicação de outra pessoa podem ser muito diferentes das suas. Se um cristão defender suas fronteiras, tal defesa não seria contrária ao Evangelho de longanimidade, humildade e mansidão?
O Ancião Aimilianos, Abade do Monastério de Simonopetra na Sagrada Montanha do Athos, renomado teólogo e confessor ortodoxo, tem uma declaração muito ampla sobre esse assunto:
“Assim como me abrigo da chuva por meio de um telhado ou de um guarda-chuva, e as roupas me salvam do frio, é preciso também aprender a se proteger de seus próximos, mas não querendo impedir suas aspirações e mudar seu humor, assim como nunca tentamos parar o frio ou parar a chuva.”
As palavras e ações de cada pessoa vêm da abundância de seu coração (Mt 12:34). Uma pessoa não pode dar nada além do que está escondido em seu coração. Não pode se tornar aquilo que você deseja. Com efeito, muitas vezes mesmo sem compreensão – “desejamos que o próximo se negue, se supere, supere suas fraquezas, prospere e se torne santo, e com ele prosperarmos e nos tornarmos santos. Mas não pode ser assim. Com tal atitude para com uma pessoa, ela se apresenta diante de nós não como uma imagem de Deus, ou serva de Deus, mas como nosso próprio servo, que deve ser como queremos que seja”. É por isso que o Ancião Aimilianos diz que não há necessidade de parar as aspirações de seus vizinhos e tentar mudar seu humor, “assim como nunca tentamos parar o frio ou parar a chuva”.
“Você precisa aprender a se defender dos vizinhos” – sobre o que são essas palavras?
Por exemplo, há situações em comunicações com pessoas, onde alguém começa a fazer perguntas muito pessoais, tocando em tópicos que você não gostaria de discutir. Nesses casos, os psicólogos falam sobre a violação dos limites pessoais, e aconselham protegê-los da seguinte maneira:
- Você pode dar uma resposta geral à pergunta: “Talvez”, “Precisamos pensar o mais rápido possível”. Então você deu uma resposta e ao mesmo tempo não disse nada específico;
- Você pode responder com uma piada. Dessa forma, você pode neutralizar a situação e transferir a conversa para uma direção diferente;
- Você pode responder a uma pergunta com uma pergunta. Pergunte por que o interlocutor quer saber o que ele perguntou;
- Você pode dizer diretamente que não deseja falar sobre esse assunto e pedir que não faça essas perguntas novamente;
- Em resposta, você também pode permanecer em silêncio.
Eis o quê o Ancião Aimilianos diz sobre isso: “Não devemos dar ao nosso próximo o direito de nos perguntar livremente o que ele quiser. Isso nos humilha… Como você deixa uma pessoa te fazer perguntas sobre coisas que você mesmo não fala?! Deveríamos ter vergonha se nos perguntassem. Afinal, quando perguntarem onde você estava e o que fez, perguntarão sobre todo o resto. Uma pergunta levará a outras e você não sabe como o assunto terminará.”
E quando damos tal direito ao nosso próximo? Quando falamos demais de nós mesmos!
“Se falarmos especialmente sobre terceiros, ou outros assuntos frívolos, então perdemos nossa dignidade humana e nos tornamos como gado. É necessário um caminho real, ou seja, a sociabilidade, que se alia à preservação da mente e dos lábios.”
Quando uma jovem casada reclamou que sua mãe estava interferindo em seu relacionamento com o marido, o padre disse o seguinte: “Você dá a ela o direito de fazer isso. Você constantemente reclama e fala sobre suas dificuldades. Não dê aos outros, mesmo pessoas próximas, informações extras sobre você, sobre sua família.” É muito importante entender isso, porque muitas vezes nossos problemas com os vizinhos vêm do fato de que, não encontrando apoio em Deus, contamos a eles tudo o que nos preocupa. Devemos entender que confiar algo pessoal ou pedir conselhos, deve ser feito somente a um confessor, ou a uma pessoa que teme a Deus, a alguém trata com respeito e não fala muito de si e dos outros. Caso contrário, você pode ter grandes problemas.
O Ancião adverte: “Não esteja disposto a revelar seus pensamentos a outras pessoas. Por exemplo, você tem algo que o incomoda e quer contar a alguém sobre isso, se você conta assim que vê alguém, chegará o dia em que se arrependerá muito de ter feito isso… O que você disse a ele secretamente, ele fará com que o mundo inteiro saiba. Quando você conta ao seu próximo sobre o seu problema, pecado, dificuldade, pensamentos, ele deixa de confiar em você, deixa de te respeitar, porque vê suas enfermidades… Além disso, nosso pensamento também diz respeito aos nossos vizinhos e, neste caso, ao expressar nosso pensamento, também revelamos o que se aplica a eles. E isso não é apenas estupidez, mas um pecado mortal. Quando você começa a falar de si mesmo, de seus problemas, ideias, pecados, ou de outras pessoas, você faz com que a pessoa que está te ouvindo pare de respeitar, de valorizar, honrar você. Você perde uma pessoa que poderia ser necessária para você, que poderia se tornar um amigo, companheiro… E você o faz perder respeito por você. Você mesmo ganha desonra do seu próximo.”
O próximo nos atrapalha não só quando o deixamos entrar em nossas vidas, mas também quando ele mesmo interfere em nossos negócios. Por causa do vazio, da perversidade, estupidez ou por tentações, as pessoas sempre voltam sua atenção para os outros, dão conselhos, indicam como viver. Isso pode ser muito perturbador, então o Ancião diz o seguinte: “Se eu permitir que alguém me dê um conselho, influencie minha vida, então ficarei confuso, sofrerei, ficarei exausto… Sem nenhuma coroa de Deus… É necessário garantir que não apenas eu seja independente da influência do meu próximo, mas também não permitir que ele interfira na minha vida.”
O Ancião dá um exemplo de como isso pode ser feito: Alguém diz: “sabe, não faça assim, se não você vai para o inferno”. Devo responder a ele: “Eu imploro, vá e diga isso ao meu Ancião”. Assim, o Ancião explicou uma forma de expressar mansamente á alguém que se tem um mentor, e que todas as questões relacionadas à vida espiritual será decidido apenas com ele.
Os psicólogos sugerem responder a conselhos não solicitados das seguintes maneiras: aprenda a reconhecer quais conselhos vêm de boas intenções; mude o assunto; recuse-se a aceitar conselhos. Além disso, o Padre Aimilianos chama a atenção para o fato de que devemos tratar as piadas corretamente. Uma boa piada não faz mal e pode até ser benéfica em algumas situações, mas infelizmente o humor nem sempre é gentil. Provocações, piadas cruéis e ridículas mostram o quão longe nossa vida está de Deus. Nós mesmos não devemos brincar dessa maneira e não devemos permitir que nossos vizinhos se comportem dessa maneira em nossa presença. Sobre como responder a piadas estúpidas, o Ancião aconselha:
“Não dê risada em resposta às palavras de tal pessoa. Se você não pode evitar, pelo menos sua risada não deve ser ouvida, porque, ao se controlar, você o envergonhará e o fará entender isso. Caso contrário, você mesmo ficará envergonhado, porque seu riso em resposta à estupidez que alguém disse, mostra que você mesmo é estúpido, não guarda sua mente e pensamentos, é mal-educado, não tem medo de Deus. Aquele que teme a Deus está sempre atento. Com o riso você confunde seu vizinho e ao mesmo tempo mostra sua própria nudez e seu próprio pecado. Devemos viver com seriedade, sermos consistente, testar-nos profundamente, não zombar e não derramar violentamente os sentimentos, como a água em uma enchente; temos que estar focados internamente.”
Como os psicólogos aconselham a reagir a piadas desagradáveis?
- Fique quieto e finja que não ouviu;
- Tente brincar;
- Diga diretamente que você não gosta dessas piadas;
- Esclareça o que a pessoa quis dizer. O que é engraçado para uma pessoa pode ser completamente incompreensível para outra. Talvez eles não quisessem ofendê-lo;
- O humor voltado para a nacionalidade, religiosidade, idade, sexo ou algumas características físicas de uma pessoa é ocasião para uma conversa séria.
O Ancião Aimilianos levanta outro tópico muito importante. Ele fala sobre guardar sentimentos: “Devemos estar atentos à forma como andamos, paramos, nos movemos, olhamos, gesticulamos. Caso contrário, podemos fazer algo que embarace um irmão. E aquele que não protege a alma do próximo como a menina dos olhos e não pensa em uma possível tentação, fica longe do amor de Deus. Deus não o abençoará. Portanto, não aja em nome da falsa liberdade. Não pense que você é livre para fazer o que quiser.”
Também não devemos nos permitir ser tratados casualmente. O Ancião adverte que uma pessoa que é frouxa no comportamento externo geralmente comete atos perversos. Você não deve pensar que uma pessoa que se comporta de maneira obscena mantém a decência em sua alma. O Ancião acredita que quem não segue as regras da decência é uma pessoa infeliz. Você precisa se comportar com ele de forma educada, delicada, sem julgamento, mas precisa estar ciente de que ele está enganado. É impossível se aproximar de uma pessoa assim.
Geronda Aimilianos não usa o termo “limites pessoais”, mas o quê ele está falando está muito próximo desse conceito. O Ancião diz que devemos nos respeitar e proteger nossa dignidade humana. Devemos nos proteger: nossa mente, nossos olhos, nossa audição, nossa boca. Se não nos protegermos, Deus não poderá nos proteger. Devemos guardar a paz do coração, a paz da mente e tomar cuidado para que nosso próximo não nos arraste para a vaidade de suas conversas e disputas. É necessário garantir não apenas ser independente da influência do próximo, mas também não permitir que ele interfira em nossas vidas.
Geronda Aimilianos de Simonopetra
tradução de Frank Pereira
https://vidadocoracao.blogspot.com/search/label/Emilian%20%28Vafidis%29







