O ARREPENDIMENTO SEGUNDO SÃO GREGÓRIO PALAMAS – PARTE 2

Segundo São Gregório, o luto é a expressão mais natural e espontânea da alma ferida pelo pecado e que se arrepende. O santo usa uma bela comparação para provar que são as feridas das pessoas que causam a dor, e não o próprio fato do arrependimento, que traz apenas alegria e consolo à alma. Assim como, se a língua de alguém sofreu algum dano, o mel pode parecer azedo e essa pessoa precisa ser curada para sentir a doçura, o mesmo acontece com o temor de Deus: nas almas onde ele é gerado, ao ouvir a mensagem dos Evangelhos, causa tristeza, pois essas almas ainda estão cercadas pelas feridas de seus pecados; mas assim que se livram delas, pelo arrependimento, sentem a alegria da boa nova (Homilia 29 PG 151, 396B). É por isso, em todo caso, que a tristeza divina também é chamada de “alegria”.

Ao abordar a segunda bem-aventurança do Senhor, que se refere ao luto, Palamas justifica a sua colocação por Cristo imediatamente após a bem-aventurança da pobreza espiritual pelo fato de o luto coexistir com a pobreza espiritual.

Um atributo típico daqueles que choram de maneira piedosa é a recusa em transferir ou repassar a responsabilidade pelos seus pecados para outras pessoas. É um princípio básico que Palamas expõe, ao discutir o remorso piedoso, que devemos nos autoflagelar pelos nossos pecados e evitar transferir a responsabilidade por eles para os outros (Homilia 29, PG 151 369C). Em todo caso, foi a transferência da responsabilidade por Adão e Eva, por ignorarem o mandamento de Deus, que os privou da salvação do luto penitencial (Gênesis 3, 12-13). Porque, visto que Deus concedeu a Adão e Eva o autodeterminação e eles receberam, segundo Palamas, “o ofício imperial sobre as paixões no âmbito de suas almas” e “nada lhes foi negado ou imposto” (Homilia 29, PG, 151, 369C), então, por meio da autocensura e da tristeza piedosa, eles teriam sido capazes de recuperar o que haviam perdido por se recusarem a assumir a responsabilidade por seu pecado. É por isso que São Gregório, ao tentar definir o luto, afirma: “Pois esta é a tristeza piedosa para a nossa salvação: encontrar a razão em nós mesmos e não nas coisas que os outros fizeram de forma inadequada. E nós mesmos devemos estar tristes e, através da confissão dos nossos pecados e da dolorosa contrição por eles, reconciliar Deus” (Homilia 29, PG, 151, 369C).

A autocensura é um estado integral da alma onde há humildade. Inicialmente, leva ao temor do Inferno. Traz à mente os terríveis castigos, descritos pelo Senhor no Evangelho, que se tornam ainda mais aterrorizantes pela dimensão eterna que adquirem. Assim, aqueles que aqui lamentam os seus pecados e se autocensuram por causa deles, evitam o luto inútil, inconsolável e interminável gerado naqueles que chegam ao reconhecimento dos seus pecados através do castigo. Ali, sem esperança de redenção ou salvação, a dor do luto é aumentada pelas indesejadas repreensões da consciência. E esse luto permanente e persistente, por não ter fim, causa mais luto, trevas terríveis e calor abrasador, sem trégua, o que leva a uma profunda tristeza indizível (A Xeni, PG, 150, 1076D-1077A). Em contraste com Adão e Eva, Palamas se refere a Lamech como um exemplo de alguém que chegou à autocensura e ao arrependimento por seus pecados (Homilia 29, PG151, 369D).

Deve-se enfatizar especialmente que, dentro da Tradição Cristã Ortodoxa, o ascetismo está completamente entrelaçado com o luto. A dor da queda e a alegria da ressurreição são vivenciadas pelos monges com luto jubiloso. Com a pobreza e a humildade corporal, que são a fome, a sede, as dificuldades e o sofrimento do corpo, meios pelos quais as sensações corporais são controladas racionalmente, não só se gera o luto, como também começam a fluir as lágrimas. São Gregório oferece uma explicação clara para esse estado espiritual em sua carta à monja Xenia. Ele diz que, assim como o conforto, o relaxamento e o prazer corporal causam insensibilidade, endurecimento do coração e uma alimentação simples e frugal, consumida com moderação, produz um coração quebrantado e contrito. Através disso, as atividades do mal são frustradas e uma alegria indizível e a mais doce é concedida à alma. Sem um coração contrito, ninguém pode se libertar das paixões. E o coração alcança a contrição somente através da moderação no que diz respeito ao sono, à alimentação e aos confortos corporais. Quando a alma é libertada das paixões e da amargura do pecado pela contrição, ela recebe então deleite espiritual (A Xenia PG 150, 1076 a.C.). Este é o consolo que o Senhor diz que será a porção daqueles que choram. Só assim podemos explicar como a transformação da tristeza em alegria, da qual o Senhor falou aos seus discípulos, se torna uma experiência cotidiana para o monge. O luto torna-se alegre e bem-aventurado porque traz à luz nas pessoas a promessa da alegria eterna.

A autocensura e a consciência do pecado são as condições que preparam a alma para o luto. Por muito tempo, diz São Gregório, como um peso inteligível sobre a parte escrutinadora da alma, elas oprimem e esmagam de tal forma que se destila o vinho salvador “que alegra os corações”. Esse vinho é a contrição que, graças ao luto e à parte ativa da alma, também esmaga o aspecto passional. E, uma vez libertado do peso obscuro das paixões, preenche a alma de alegria bem-aventurada (A Xeni PG 150, 1077 B).

Por mais doloroso que seja o luto nos estágios iniciais, por coexistir com o temor a Deus, ele se intensifica com o passar do tempo e à medida que a alma prospera espiritualmente, tornando-se também alegre, pois as pessoas realmente veem frutos doces e abençoados. Quanto mais tempo o luto permanece na alma, mais o amor de Deus cresce e, de uma maneira inimaginável, se une a ele. Quando a alma experimenta o luto profundamente, saboreia a consolação da benevolência do Consolador. Para a alma, essa é uma experiência tão sagrada, doce e mística que aqueles que não a experimentaram pessoalmente sequer suspeitam de sua existência (A Xenia PG 150, 1077 B).

Uma visão fundamental na teologia do luto é que não apenas a alma participa, mas também o corpo. E a “consolação” que o Senhor disse que seria uma bênção para os que choram é um fruto que não só a alma, mas como diz São Gregório “o corpo também recebe de várias maneiras” (Sobre os Hesicastas (1, 3, 33). A prova mais clara desta realidade, diz ele, são “as lágrimas tristes com que choram os seus pecados” (Ibid).

Outro fruto do remorso segundo Deus é que as pessoas se tornam firmes na virtude, pois, como diz o apóstolo Paulo: “A tristeza segundo Deus produz arrependimento para a salvação, que a ninguém traz pesar” (2 Coríntios 7, 10). Porque, segundo Palamas, as pessoas podem se tornar pobres de maneira piedosa e serem humilhadas, mas, a menos que também adquiram remorso, sua disposição se altera facilmente – podem muito bem retornar às ações impróprias e pecaminosas que abandonaram e, mais uma vez, transgredir os mandamentos de Deus, visto que o desejo e o apetite por uma vida pecaminosa ressurgirão nelas. Mas, se permanecerem na pobreza que o Senhor declarou bem-aventurada e cultivarem o luto espiritual em si mesmas, então se tornarão firmes e seguras na vida espiritual, afastando assim o perigo de retornar ao ponto de partida. (A Xenia PG 150, 1085C).

Assim, este luto piedoso não apenas atrai consolo e o perdão de Deus, oferecendo a promessa da alegria eterna, mas, ao mesmo tempo, guarda as virtudes da alma, visto que, segundo São Gregório, a alma que aprendeu a lamentar é muito menos propensa a ser levada ao mal (A Xenia PG 150, 1085D).

Finalmente, o hesicasta athonita e arcebispo de Tessalônica, em seu Ensaio sobre as paixões e as virtudes, que é dedicado em grande parte ao luto, utiliza um exemplo muito expressivo para demonstrar o caminho que as pessoas percorrem rumo ao remorso. Ele compara o início do luto com o retorno do Filho Pródigo, razão pela qual a pessoa arrependida se mostra triste e é levada a repetir as palavras: “Pai, pequei contra o céu e diante de Ti”. E, em seguida, ele descreve o fim do luto com o abraço imperativo e aberto de Deus Pai, “no qual, pela riqueza da incomparável pobreza que sofrera, e tendo adquirido grande alegria e franqueza por meio dela, beijou e foi beijado e, ao entrar, sentou-se para comer com o Pai, ambos desfrutando da bem-aventurança celestial” (To Xeni PG 150, 1085C). É por isso que o termo “luto luminoso”, comumente usado pelos ascetas para descrever a experiência da transcendência escatológica da dor, é talvez o símbolo mais expressivo de toda a sua vida ascética, uma vida feita principalmente de lágrimas e luto (ver G. Mandzaridis, «Η περί θεώσεως διδασκαλία» em Παλαμικά 1973, p. 215).

Nesta breve e, pode-se dizer, sucinta apresentação das posições de Palamas sobre o arrependimento, vemos que São Gregório, como figura proeminente da vida interior, estava interessado não apenas em que corrigissemos nossas falhas externas, mas também em nosso arrependimento interior, com luto e lágrimas. O próprio São Gregório era um homem de arrependimento e também um verdadeiro pregador dele.

Agora que o período da Grande Quaresma se aproxima, humildemente oramos para que, naquele que é, segundo São Gregório, o principal período de arrependimento, possamos “nos prostrar e chorar diante de Deus”, para que possamos provar a bem-aventurança do Seu Reino. Não nos esqueçamos de que a correção de nós mesmos e, de fato, da sociedade como um todo, começa e se fundamenta no arrependimento pessoal de cada um de nós. Em todo caso, o “arrependimento perseverante” é, como enfatiza São Gregório, o espírito do monasticismo athonita. Amém.


Arquimandrita Efraim de Vatopaidi
tradução de monja Rebeca (Pereira)

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Aurora Ortodoxia é um labor online missionário de cristãos ortodoxos brasileiros de distintas jurisdições canônicas, dedicado ao aprofundamento e iluminação daqueles que se interessam em conhecer a Fé Ortodoxa por meio da experiëncia da Santa Tradição.

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