Na vida espiritual e nas relações humanas, é preciso discernimento. Nem todo aquele que se aproxima com um sorriso tem boas intenções. Nem todo companheiro de jornada deseja chegar ao mesmo porto que você. Há quem suba a bordo apenas para tomar o leme, e, ao perceber que não pode ser o capitão, prefira afundar o navio a seguir obedecendo à direção certa.
O livro dos Provérbios adverte: “Guarda com toda a diligência o teu coração, porque dele procedem as fontes da vida” (Provérbios 4:23). Guardar o coração é também guardar quem entra nele. Há amizades, alianças e parcerias que não vêm de Deus, mas de impulsos humanos ou interesses disfarçados. O inimigo raramente ataca de fora. Muitas vezes, entra sorrateiro, com aparência de amigo. Judas caminhou lado a lado com Cristo, mas o traiu por trinta moedas de prata.
São João Crisóstomo ensinava: “Nada é mais perigoso que um amigo falso. Ele é o inimigo que veste a roupa da amizade.” A prudência cristã não é desconfiança doentia, mas a sabedoria de quem sabe que o mal, quando não discernido, destrói o bem de dentro para fora.
O próprio Cristo confiava o coração apenas ao Pai. O Evangelho diz que Ele “não se confiava a eles, porque conhecia a todos” (João 2:24). Jesus amava a todos, mas não se entregava a todos. Essa diferença é essencial. Amar não significa permitir que qualquer um conduza o rumo da nossa vida.
Na Tradição Ortodoxa, os santos padres ensinam que o discernimento é o timoneiro da alma. Santo Antônio, o Grande, dizia: “Muitos perderam a alma por excesso de caridade sem discernimento.” O amor verdadeiro não é cego, é sábio. Ele acolhe, mas sabe quando é hora de se afastar.
Quando deixamos alguém subir no nosso “navio”, estamos partilhando nossa caminhada espiritual, nossos sonhos e nossa paz. Se o outro traz orgulho, inveja ou sede de domínio, logo tentará tomar o leme, impor o rumo e, ao ser contrariado, fará o que muitos fazem: causar tempestades. Assim, o navio que Deus planejou para a salvação pode se perder nas ondas da vaidade e da disputa. Por isso, o cristão deve orar antes de abrir o coração. Deve buscar, como ensina São Basílio, “amizades fundadas na virtude e no temor de Deus, pois somente nelas há segurança e constância.”
A vida é um mar aberto, e o navio que conduzimos é a nossa alma. O capitão deve ser Cristo, não o ego de quem se aproxima. Vigie quem entra a bordo, para que o vento da inveja ou a rebelião do orgulho não te arrastem para longe do porto da salvação.
Tenha cuidado com quem você deixa entrar no seu navio. Nem todos estão dispostos a remar. Alguns só esperam a oportunidade de tomar o leme. E se o verdadeiro Capitão não for Cristo, o naufrágio é certo.
01.11.2025
+ Bispo Theodore El Ghandour








