Deus é amor (1 Jo 4, 16). E nós, seres humanos, fomos criados “à imagem e semelhança” do Deus de amor. Mas o Deus de amor também é justo. Ele respeita a nossa liberdade e não nos propõe o Seu poder, mas a Sua imparcialidade. Desta forma, permanecemos livres para aceitar ou rejeitar a comunhão com Ele. Ele fez isso desde o início e continua a fazê-lo após a queda, com o Seu plano para a nossa salvação. É por isso que Ele Se tornou humano e foi crucificado por nós. Seu poder manifestou-se após a morte, através da Sua ressurreição. São Gregório Palamas diz que isto indicava a ordem perfeita a que Deus adere na execução das Suas obras. Também somos chamados a seguir esta ordem na conclusão das nossas tarefas na Terra, para que a possamos observar eternamente, quando recebermos o poder no momento da nossa imortalidade [1].
Não fomos criados para morrer, mas para viver eternamente. Esta vida passageira é precursora da eternidade. E a maneira como agimos nesta vida transitória prepara o nosso estado na eternidade. Deus não Se impõe a nós pela força. O Reino de Deus não é de autoridade opressora, mas de amor e liberdade todo-poderosos. Mas se as pessoas desviam o rosto de Deus, elas entram em curto-circuito e se punem. Dessa forma, já nesta curta vida, entram em desespero eterno.
Em seu livro Sobre a Vida em Cristo, São Nikolaos Kavasilas escreve que a vida em Cristo começa nesta vida e se completa na próxima, mas que nem esta vida nem a próxima podem aperfeiçoar nossas almas a menos que comecemos aqui.
Assim como possuímos os sentidos corporais da visão, do olfato e assim por diante, também existem os sentidos espirituais. A vida presente é a oficina onde aprimoramos esses sentidos espirituais. Pessoas que não adquirem sentidos espirituais aqui permanecerão “mortas e miseráveis” na eternidade. Deus aparecerá a todos como luz, mas tais pessoas permanecerão nas trevas, como as virgens tolas, porque não lhes será mais possível fazer olhos. A fragrância do Espírito Santo preencherá todas as coisas, mas elas não serão capazes de adquirir o olfato se ainda não o tiverem. Aqueles que não desenvolveram seus sentidos espirituais antes de partir desta vida não terão ninguém em comum na próxima vida, enquanto aqueles que os possuem compartilharão a bem-aventurança eterna com Cristo [2].
Sentidos espirituais puros, um coração limpo, tornam-nos abençoados e capazes de ver a Deus [3]. Com a ressurreição de Cristo, que é a quintessência da revelação divina, “tudo se enche de luz”. Isso não é algo em que simplesmente se precisa crer, mas sim algo que pode e deve ser vivido. Cristo não foi o profeta da ressurreição e do reino de Deus, mas o agente que os tornou realidade. Ele não predisse coisas que aconteceriam no futuro, mas trouxe essas coisas diretamente para o presente e as tornou, até certo ponto, alcançáveis por todos, dependendo de sua pureza e receptividade. O Cânone da Ressurreição nos exorta: “Purifiquemos os nossos sentidos e veremos a luz inacessível da Ressurreição”. A luz da Ressurreição é a luz do Reino de Deus; é a luz da era futura que existe e é revelada aos santos, de forma preliminar, mesmo nesta vida presente.
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[1] Ver Homilia 16 de Gregório Palamas, PG 151, 192A
[2] Ver Nikolaos Kavasilas Sobre a Vida em Cristo, PG 150, 493B ss.
[3] Ver Mateus 5, 8.
Georgis Mantzaridis
tradução de monja Rebeca (Pereira)







