HOMILIA SOBRE A FESTA DA APRESENTAÇÃO DA TODA SANTA E SENHORA NOSSA NO SANTO DOS SANTOS

Se uma árvore é conhecida por seus frutos, e uma árvore boa dá bons frutos (Mt 7,17; Lc 6,44), então não é a própria Mãe da Bondade, Aquela que gerou a a Beleza Eterna, incomparavelmente mais excelente do que todo bem, seja neste mundo ou no mundo celestial? Portanto, a Imagem coeterna e idêntica da bondade, Pré-eterna, transcendendo todo o ser, Aquele que é o Verbo preexistente e Bom do Pai, movido por Seu indizível amor pela humanidade e compaixão por nós, revestiu-Se de nossa imagem, para que pudesse recuperar para Si nossa natureza, que havia sido arrastada até o mais profundo Hades, a fim de renovar essa natureza corrompida e elevá-la às alturas do céu. Para esse propósito, Ele teve que assumir uma carne que era nova e nossa, para que pudesse nos remodelar a partir de nós mesmos. Agora, Ele encontra uma Serva perfeitamente adequada a essas necessidades, a provedora de Sua própria natureza imaculada, a Sempre Virgem agora louvada por nós, e cuja entrada milagrosa no Templo, no Santo dos Santos, agora celebramos. Deus A predestinou antes dos séculos para a salvação e a recuperação de nossa espécie. Ela foi escolhida, não apenas da multidão, mas entre as fileiras dos escolhidos de todas as eras, renomados por sua piedade e compreensão, e por suas palavras e ações que agradam a Deus.


No princípio, houve alguém que se levantou contra nós: o autor do mal, a serpente, que nos arrastou para o abismo. Muitas razões o impeliram a se levantar contra nós, e há muitas maneiras pelas quais ele escravizou nossa natureza: inveja, rivalidade, ódio, injustiça, traição, astúcia, etc. Além de tudo isso, ele também tem em si o poder de trazer a morte, que ele mesmo engendrou, sendo o primeiro a se afastar da verdadeira vida.


O autor do mal teve ciúmes de Adão quando o viu sendo levado da terra para o céu, de onde foi justamente expulso. Cheio de inveja, se lançou sobre Adão com terrível ferocidade e até desejou vesti-lo com o manto da morte. A inveja não é apenas a geradora do ódio, mas também do assassinato, que essa serpente verdadeiramente odiosa causou em nós. Pois ela queria dominar a terra — nascida para a ruína daquilo que foi criado à imagem e semelhança de Deus. Como não era ousado o suficiente para um ataque direto, recorreu à astúcia e à mentira. Este conspirador verdadeiramente terrível e malicioso fingiu ser um amigo e conselheiro útil, assumindo a forma física de uma serpente, e furtivamente tomou a posição deles. Com seus conselhos contrários a Deus, instila no homem seu próprio poder mortal, como um veneno venenoso.


Se Adão tivesse sido suficientemente forte para guardar o mandamento divino, teria se mostrado o vencedor de seu inimigo e resistido ao seu ataque mortal. Mas, como voluntariamente cedeu ao pecado, foi derrotado e se tornou pecador. Sendo ele a raiz da nossa raça, ele nos produziu como brotos portadores da morte. Portanto, era necessário que nós, se ele quisesse lutar contra sua derrota e reivindicar a vitória, nos livrássemos do veneno venenoso portador da morte em sua alma e corpo, e absorvêssemos a vida, a vida eterna e indestrutível.


Era necessário que tivéssemos uma nova raiz para a nossa raça, um novo Adão, não apenas alguém sem pecado e invencível, mas alguém que também fosse capaz de perdoar pecados e libertar da punição aqueles que a ela estão sujeitos. E não somente teria vida em Si mesmo, mas também a capacidade de restaurar a vida, para que pudesse conceder àqueles que se apegam a Ele e são aparentados com Ele por raça, tanto a vida quanto o perdão dos seus pecados, restaurando a vida não apenas àqueles que vieram depois d´Ele, mas também àqueles que já haviam morrido antes d´Ele. Por isso, São Paulo, a grande trombeta do Espírito Santo, exclama: “O primeiro homem, Adão, tornou-se alma vivente; o último Adão, espírito vivificante” (1 Coríntios 15:45).


Exceto Deus, não há ninguém sem pecado, nem criador de vida, nem capaz de remir o pecado. Portanto, o novo Adão deve ser não apenas Homem, mas também Deus. Ele é, ao mesmo tempo, vida, sabedoria, verdade, amor e misericórdia, e todas as outras coisas boas, para que pudesse renovar o velho Adão e restaurá-lo à vida por meio da misericórdia, sabedoria e justiça. Essas são as coisas opostas às que o autor do mal usou para causar nosso envelhecimento e morte.


Assim como o matador da humanidade se levantou contra nós com inveja e ódio, assim a Fonte da vida foi levantada [na cruz] por causa de Sua imensurável bondade e amor pela humanidade. Ele desejava intensamente a salvação de Sua criatura, isto é, que Sua criatura fosse restaurada por Ele mesmo. Em contraste com isso, o autor do mal queria levar a criatura de Deus à ruína e, assim, colocar a humanidade sob seu próprio poder e nos afligir tiranicamente. E assim como ele alcançou a conquista e a queda da humanidade por meio da injustiça e da astúcia, do engano e de suas trapaças, assim também o Libertador trouxe a derrota do autor do mal e a restauração de Sua própria criatura com verdade, justiça e sabedoria.


Foi um ato de perfeita justiça que nossa natureza, voluntariamente escravizada e abatida, voltasse a lutar pela vitória e se livrasse de sua escravidão voluntária. Portanto, Deus Se dignou a receber de nós nossa natureza, unindo-Se hipostaticamente a ela de maneira maravilhosa. Mas era impossível unir aquela Natureza Altíssima, cuja pureza é incompreensível para a razão humana, a uma natureza pecaminosa antes que ela fosse purificada. Portanto, para a concepção e o nascimento do Doador da pureza, era necessária uma Virgem perfeitamente imaculada e Puríssima.


Hoje celebramos a memória daquelas coisas que contribuíram, ainda que apenas uma vez, para a Encarnação. Aquele que é Deus por natureza, o Verbo Co-originado e Coeterno e Filho do Pai Transcendente, torna-Se o Filho do Homem, o Filho da Sempre Virgem. “Jesus Cristo, o Mesmo ontem, hoje e eternamente” (Hb 13:8), imutável em Sua divindade e irrepreensível em Sua humanidade, somente Ele, como profetizou o profeta Isaías, “não praticou iniquidade, nem dolo com os Seus lábios” (Is 53:9). Somente Ele não nasceu em iniquidade, nem foi concebido em pecado, em contraste com o que o profeta David diz a respeito de si mesmo e de todos os outros homens (Sl 50/51:5). Mesmo naquilo que Ele assume, Ele é perfeitamente puro e não precisa ser purificado. Mas, por nossa causa, Ele aceitou a purificação, o sofrimento, a morte e a ressurreição, para que pudesse transmiti-los a nós.


Deus nasceu da Virgem Santíssima, ou melhor, da Virgem Puríssima e Santíssima. Ela está acima de toda impureza carnal e até mesmo acima de todo pensamento impuro. Sua concepção não resultou da concupiscência carnal, mas da influência do Espírito Santo. Sendo tal desejo totalmente alheio a Ela, foi através da oração e da prontidão espiritual que Ela declarou ao anjo: “Eis aqui a Serva do Senhor; faça-se em Mim segundo a tua palavra” (Lucas 1:38), e que Ela concebeu e deu à luz. Assim, para tornar a Virgem digna deste sublime propósito, Deus marcou esta Filha sempre virgem, agora louvada por nós, desde antes dos séculos e desde a eternidade, escolhendo-A entre os Seus eleitos.


Voltem, então, a vossa atenção para onde começou esta escolha. Dos filhos de Adão, Deus escolheu o maravilhoso Seth, que se mostrou um céu vivo através do seu comportamento digno e da beleza das suas virtudes. É por isso que ele foi escolhido, e de quem a Virgem floresceria como a carruagem divinamente adequada de Deus. Ela era necessária para dar à luz e convocar os nascidos na terra à filiação celestial. Por esta razão, toda a linhagem de Seth foi chamada de “filhos de Deus”, pois desta linhagem nasceria um filho do homem, o Filho de Deus. O nome Seth significa ascensão ou ressurreição, ou mais especificamente, significa o Senhor, que promete e concede vida imortal a todos os que n´Ele creem.


E quão precisamente exato é esse paralelo! Seth nasceu de Eva, como ela mesma disse, no lugar de Abel, a quem Caim matou por ciúmes (Gn 4:25); e Cristo, o Filho da Virgem, nasceu para nós no lugar de Adão, a quem o autor do mal também matou por ciúmes. Seth, todavia, não ressuscitou Abel, visto que ele era apenas um tipo da ressurreição. Mas nosso Senhor Jesus Cristo ressuscitou Adão, visto que Ele é a própria Vida e a Ressurreição dos nascidos na terra, por cuja causa os descendentes de Seth recebem a adoção divina pela esperança e são chamados filhos de Deus. Foi por causa dessa esperança que eles foram chamados filhos de Deus, como fica evidente por aquele que foi chamado assim primeiro, o sucessor na escolha. Este foi Enos, filho de Seth, que, como Moisés escreveu, primeiro esperou invocar o Nome do Senhor (Gn 4:26).


Dessa forma, a escolha da futura Mãe de Deus, começando pelos próprios filhos de Adão e prosseguindo por todas as gerações, pela Providência de Deus, passa para o Rei-Profeta David e os sucessores de seu reino e linhagem. Quando chegou o momento escolhido, então, da casa e da posteridade de David, Joaquim e Ana foram escolhidos por Deus. Embora não tivessem filhos, eram, por sua vida virtuosa e boa disposição, os melhores de todos os descendentes da linhagem de David. Em oração, imploraram a Deus que os livrasse da esterilidade e prometeram dedicar seu filho a Deus desde a infância. Pelo próprio Deus, a Mãe de Deus foi proclamada e lhes dada como uma criança, para que de pais tão virtuosos nascesse o filho todo virtuoso. Assim, a castidade, unida à oração, frutificou, gerando a Mãe da virgindade, dando à luz na carne Aquele que nasceu de Deus Pai antes dos séculos.


Agora, quando os justos Joaquim e Ana viram que seu desejo havia sido atendido e que a promessa divina a eles havia se cumprido de fato, eles, por sua vez, como verdadeiros amantes de Deus, apressaram-se a cumprir seu voto feito a Deus assim que a criança foi desmamada. Eles agora conduziram esta criança verdadeiramente santificada de Deus, a Mãe de Deus, ao Templo de Deus. E Ela, repleta de dons divinos mesmo em tão tenra idade, … Ela, mais do que outros, determinava o que seria feito acerda d´Ela Própria. Em Sua maneira, demonstrou que não era tanto apresentada ao Templo, mas que Ela mesma entrava no serviço de Deus por Sua própria vontade, como se tivesse asas, esforçando-Se por esse amor sagrado e divino. Ela considerou desejável e apropriado que entrasse no Templo e habitasse no Santo dos Santos.


Portanto, o Sumo Sacerdote, vendo que esta Criança, mais do que qualquer outra, possuía a graça divina em Si, desejou colocá-La no Santo dos Santos. Ele convenceu todos os presentes a acolherem isso, visto que Deus o havia proposto e aprovado. Por meio de Seu anjo, Deus auxiliou a Virgem e enviou-Lhe alimento místico, com o qual Ela foi fortalecida em natureza, enquanto em corpo Ela foi levada à maturidade e se tornou mais pura e exaltada do que os anjos, tendo os espíritos celestiais como servos. Ela foi conduzida ao Santo dos Santos não apenas uma vez, mas foi aceita por Deus para habitar lá com Ele durante Sua juventude, para que, por meio d´Ela, as Moradas Celestiais pudessem ser abertas e dadas como habitação eterna àqueles que creem em Seu nascimento milagroso.


Assim é, e é por isso que Ela, desde o início dos tempos, foi escolhida entre os escolhidos. Aquela que Se manifesta como o Santo dos Santos, que tem um corpo ainda mais puro do que os espíritos purificados pela virtude, é capaz de receber… a Palavra Hipostática do Pai Não-Originado. Hoje, a Sempre Virgem Maria, como um Tesouro de Deus, está guardada no Santo dos Santos, para que, no devido tempo (como aconteceu mais tarde), Ela sirva para o enriquecimento e ornamento de todo o mundo. Portanto, Cristo Deus também glorifica Sua Mãe, tanto antes como depois de Seu nascimento.


Nós, que compreendemos a salvação iniciada por nós através da Santíssima Virgem, damos-Lhe graças e louvores segundo as nossas capacidades. E, verdadeiramente, se a mulher agradecida (de quem nos fala o Evangelho), depois de ouvir as palavras salvadoras do Senhor, abençoou e agradeceu à Sua Mãe, elevando a sua voz acima do barulho da multidão e dizendo a Cristo: “Bem-aventurado o ventre que Te trouxe, e os seios que Te amamentaste” (Lucas 11:27), então nós, que temos as palavras da vida eterna escritas para nós, e não apenas as palavras, mas também os milagres e a Paixão, e a ressurreição da nossa natureza da morte, e a sua ascensão da terra ao Céu, e a promessa de vida imortal e salvação infalível, então como não cantaremos e bendizeremos incessantemente a Mãe do Autor da nossa Salvação e do Doador da Vida, celebrando a Sua concepção e nascimento, e agora a Sua Entrada no Santo dos Santos?


Agora, irmãos, retiremo-nos das coisas terrenas para as celestiais. Mudemos o nosso caminho da carne para o espírito. Mudemos o nosso desejo das coisas temporais para aquelas que perduram. Desprezemos os prazeres carnais, que servem de atrativos para a alma e logo passam. Desejemos os dons espirituais, que permanecem inalterados. Desviemos a nossa razão e a nossa atenção das preocupações terrenas e elevemo-las aos lugares inacessíveis do céu, ao Santo dos Santos, onde a Mãe de Deus agora reside.


Portanto, desta forma, os nossos cânticos e orações a Ela ganharão acesso, e assim, através da sua mediação, seremos herdeiros das bênçãos eternas que virão, pela graça e pelo amor pela humanidade d´Aquele que nasceu d’Ela por nossa causa, nosso Senhor Jesus Cristo, a Quem sejam a glória, a honra e a adoração, juntamente com o Seu Pai Sem-Princípio e o Seu Espírito Co-eterno e Vivificador, agora e sempre e pelos séculos dos séculos. Amém.


São Gregório Palamas
tradução de monja Rebeca (Pereira)

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Aurora Ortodoxia é um labor online missionário de cristãos ortodoxos brasileiros de distintas jurisdições canônicas, dedicado ao aprofundamento e iluminação daqueles que se interessam em conhecer a Fé Ortodoxa por meio da experiëncia da Santa Tradição.

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