1) Como se deu sua caminhada na Ortodoxia?
Sou caipira, nascido no interior paulista, em Campinas. Meu berço familiar não era cristão ortodoxo.
Cresci em uma família sincretista: religiões afro, kardecismo, esoterismo e catolicismo-romano.
Tive um despertar religioso aos dezoito anos, lendo pela primeira vez um livro cristão (não ortodoxo) a respeito do amor de Deus. Foi uma leitura transformadora a época.
Na minha infância sempre sonhei conhecer a Praça Vermelha e a Catedral de São Basílio em Moscou, na Rússia. Tinha curiosidade sobre a Igreja Ortodoxa, mas tinha um receio não sei de quê. Esbarrei na Ortodoxia através dos livros sobre teologia e liturgia em meados de 1999, quando iniciei formação teológica (da qual a época não terminei os estudos). Na ocasião, eu ingressara há pouco tempo na igreja católica-romana, assumindo o Cristianismo como religião única.
Foi em 2001 que desejei conhecer a Igreja Ortodoxa e nela estar. Dela fugi, lutei e quis não ceder pensando ser uma tentação. Temia por apostasia, ser condenado ao inferno. E foi assim por 10 anos!
2) Fale-nos também de seu chamado ao sacerdócio. Como saber distinguir a vocação neste Brasil sem seminários ortodoxos e escasso em clérigos?
Nunca me perguntei sobre isto. Penso que não é a gente que escolhe, mas nós é que somos escolhidos. Me lembro que em meu itinerário religioso, experimentando a fé em outra confissão cristã, muitas pessoas diziam que eu tinha jeito de sacerdote. Outros até eram enfáticos em dizer que eu tinha vocação. Cheguei a realizar um retiro vocacional a época e apesar da insistência dos organizadores para eu ficar, desisti e segui com a vida laica no sagrado matrimônio.
Quando me converti a Fé Ortodoxa em 2011, após muitos anos, esse tema veio a tona novamente. Quando achei que já tinha ido longe demais ao ser crismado. Alguns meses fui ordenado Leitor em 2012. No ano de 2018 fui ordenado Subdiácono. Concluí a formação teológica em 2020. Em dezembro de 2021 fui ordenado Diácono e Presbítero poucos dias depois.
O chamado veio em um contexto missionário. A pequena comunidade missionária a qual fazia parte (hoje paróquia) pediu um sacerdote fixo ao nosso arcebispo. Mas não aconteceu rápido. Eu era o que tinha mais idade e há mais tempo casado, com profissão, com formação teológica. Os membros da missão logo me apontaram como um candidato para a ordenação. Foi como no primeiro milênio: a comunidade reconhece o seu pastor. Após um tempo de decisão, eu e minha esposa decidimos aceitar a missão. Ela me permitiu e me apoiou, a comunidade me escolheu, o Arcebispo aceitou e impôs as mãos para ordenação. Em tudo isso vi com meus olhos a vontade de Deus.
Eu nunca estive focado em ser padre, mas em servir a Santa Igreja. Em ser tudo para a Igreja. Ajudei financeiramente, ajudei com meu tempo e com as minhas mãos. Dei tudo de mim e mais um pouco. Sempre ajustei minha vida, meus horários para as necessidades da Igreja de Cristo. Eu quis apenas o Reino dos Céus e que a Ortodoxia seja grande, seja forte aqui no Brasil. O chamado chegou quando eu mesmo não pensava mais sobre isto, quando não pensava sobre esta possibilidade. Eu aceitei ser ordenado sacerdote para servir melhor minha comunidade local. Poderia ter sido outro irmão, e mesmo assim eu o serviria com amor, respeito e lealdade. Eu apenas estava lá, assim como a Mãe Theotokos, disponível para o que Deus e a Igreja precisasse de mim: “Faça-se em mim segundo a Tua palavra” (Lc 1:38). Penso que é o amor que distingue uma vocação. Somente se amarmos com todo nosso ser é que seremos capazes de ouvir a voz de Deus e atendermos o chamado ao sacerdócio. E claro, a Igreja tem que estar precisada de servos para o ministério.
Apesar de não ser costume com os candidatos ao sacerdócio na Igreja Ortodoxa, eu trago um lema sacerdotal em meu interior: “Ser tudo para todos” (cf. 1 Cor 9:22).
3) Descreva sua comunidade litúrgica: um pequeno resumo histórico, com que frequência os Serviços Divinos são celebrados, quem frequenta, atividades em geral, catequese, coro….
O ano era 2013. Eu, minha esposa e outro irmão descobrimos a época que havia um sacerdote ortodoxo residindo em Campinas-SP. Seu nome é Marko, Padre Marko Obradovich e sua esposa, Matushka Ana. Eles são do Patriarcado Sérvio. Ele ficou conosco desde o final de 2013 até maio de 2018. A época fomos elevados a estatura de paróquia ortodoxa. O trabalho foi intenso, tínhamos Divina Liturgia todos os domingos. Esta experiência de cinco anos nos marcou profundamente.
Mas em 2018 o Padre Marko e a Matushka Ana tiveram de retornar para o leste europeu. Padre Marko assumiu uma paróquia em Montenegro. E ficamos sem um sacerdote. Por iniciativa e indicação do Padre Marko, nos reunimos com Sua Excelência Reverendíssima, o Arcebispo Chrisóstomo, da Eparquia Polonesa no Brasil. Ele prontamente acolheu nossa pequena comunidade. Deixamos de ser paróquia estabelecida com sacerdote, para uma comunidade missionária sem sacerdote fixo. Tivemos de nos organizar financeiramente para trazer, uma vez ao mês, um sacerdote da Catedral Ortodoxa no Rio de Janeiro (capital) para celebrar a Divina Liturgia e ministrar os Mistérios da Confissão, Batismo e Crisma. Ficamos de 2018 a 2021 nesta realidade. Nossa fé, resiliência e esforços foram fundamentais para chegarmos onde estamos hoje. Em janeiro de 2022 eu me apresentei a comunidade, e então celebrei minha primeira Divina Liturgia fora da catedral. E desde então continuo guiando os fiéis por cá. Celebrei o Sagrado Matrimônio, os Mistérios do Batismo e Crisma, atendo as Confissões, benção das casas dos fiéis, aconselhamento pastoral, formação catecumenal, obras de caridade.
Padre Nicolau Machado é Sacerdote da Paróquia Ortodoxa Polonesa da Santa Neomártir Elisabete da Rússia em Valinhos (SP).








