Ao longo da história, muitos reduziram a voz e o papel das mulheres. Mas quando voltamos às Escrituras, vemos algo muito diferente. A Revelação mostra Deus chamando, levantando e honrando mulheres em momentos decisivos. A fé cristã nasce desse movimento de restauração, no qual Cristo devolve à mulher sua dignidade plena, sua liberdade interior e sua missão no mundo.
1. A criação revela igualdade de dignidade
O ponto de partida está no Gênesis. O ser humano é criado “à imagem e semelhança de Deus” (Gn 1:27). O texto é claro ao afirmar: “homem e mulher os criou”. A imagem divina não é exclusividade masculina. Ambos recebem a mesma bênção e o mesmo mandato de governar e cuidar da criação. Na visão bíblica, a mulher não é inferior nem auxiliar no sentido servil, mas colaboradora plena.
Quando Deus diz que faria “uma auxiliadora que lhe corresponda” (Gn 2:18), o termo hebraico “ezer” não significa subalternidade; é uma palavra usada para descrever o próprio Deus quando Ele socorre e fortalece o ser humano (Cf. Salmo 33:20). A mulher participa dessa força de comunhão.
2. Mulheres chamadas por Deus na história da salvação
A Bíblia está repleta de episódios em que Deus confia às mulheres papéis essenciais. Isso já demonstra o quanto a fé bíblica rompeu com estruturas culturais que excluíam a mulher.
• Miriam (Êx 15) é profetisa e líder do povo na saída do Egito.
• Débora (Jz 4–5) é juíza, profetisa e autoridade nacional, guiando Israel em guerra e julgamento.
• Ester arrisca a vida para salvar seu povo e é lembrada pela coragem e discernimento.
• Ana, mãe de Samuel, transforma sua dor em oração, e sua súplica se torna inspiração da oração bíblica.
Essas histórias mostram que Deus levanta mulheres para conduzir, julgar, orientar e profetizar, como colunas na história da salvação.
3. A dignidade restaurada em Cristo
No Novo Testamento, essa elevação se torna ainda mais clara. Jesus surpreende constantemente sua cultura por tratar as mulheres com honra e escuta.
• Ele conversa longamente com a Mulher Samaritana (Jo 4), num tempo em que homens não falavam em público com mulheres, muito menos com samaritanas. Ela se torna missionária imediatamente.
• Ele defende a mulher adúltera contra os que queriam apedrejá-la.
• Ele acolhe a unção da pecadora arrependida (Lc 7), valorizando seu arrependimento e seu amor mais que a hipocrisia do fariseu.
• Ele Se deixa acompanhar por mulheres que sustentavam o ministério (Lc 8:1-3).
• Ele ressuscita a filha de Jairo, a sogra de Pedro e cura a mulher hemorroíssa, devolvendo a cada uma vida e dignidade. A atitude de Cristo não é exceção, mas um padrão. Em Cristo, a mulher não é um apêndice da sociedade, mas discípula, testemunha e anunciadora do Evangelho.
4. As primeiras testemunhas da Ressurreição
A maior prova bíblica da dignidade dada às mulheres está ligada ao acontecimento central da fé: a Ressurreição. As primeiras a encontrarem o túmulo vazio, a verem o Senhor e a anunciarem aos apóstolos foram mulheres (Mt 28:1-10; Jo 20:11-18). Santa Maria Madalena é chamada pela Tradição Ortodoxa de isapóstola — igual aos apóstolos — porque foi enviada pelo próprio Cristo para anunciar a vitória da Vida.
Numa época em que o testemunho feminino não tinha peso legal, Deus escolhe justamente mulheres como as primeiras portadoras da maior notícia da história. Nada afirma a dignidade feminina de forma mais forte do que isso.
5. A comunidade cristã apostólica e o reconhecimento das mulheres
As cartas de São Paulo também mostram um panorama rico e surpreendente:
• Febe é chamada “diaconisa da Igreja” (Rm 16:1).
• Priscila, junto com Áquila, instrui Apolo, um pregador eloquente (At 18:26).
• Lídia (At 16:14) abre sua casa e sustenta a missão, tornando-se o ponto de partida da Igreja na Europa.
• Júnia é reconhecida como notável entre os apóstolos.
As primeiras comunidades não relegam a mulher a um papel de silêncio ou passividade. Pelo contrário, a Igreja cresce em casas conduzidas, sustentadas e anunciadas por mulheres.
6. A visão cristã: dignidade, complementaridade e vocação
Na espiritualidade da Igreja Ortodoxa, o cristianismo não propõe rivalidade entre homens e mulheres, mas comunhão.
A dignidade é igual; as vocações podem ser diferentes; a graça é a mesma. A mulher é chamada a refletir Cristo tanto quanto o homem. Seu caminho é pleno, consciente e responsável. A santidade feminina ocupa lugar de honra no calendário litúrgico: a Mãe de Deus, as miróforas, as mártires, as monjas e as profetisas.
Quando a Tradição fala da Theotokos como “mais venerável que os querubins e incomparavelmente mais gloriosa que os serafins”, vemos a síntese da visão cristã sobre a mulher: Deus a eleva a um lugar que nenhuma cultura jamais poderia sonhar.
O cristianismo não nasceu para reduzir mulheres, mas para libertá-las de falsas imagens e para reafirmar seu valor diante de Deus e da humanidade. As Escrituras, lidas no coração da Igreja, mostram que mulheres sempre tiveram lugar de liderança, sabedoria e testemunho no plano divino. Cristo as honra, as envia e as coloca no centro do anúncio da Ressurreição.
A Igreja continua a reconhecê-las como portadoras da luz, da fé e da coragem que sustentam gerações.
08.12.2025
+ Bispo Theodore El Ghandour






