CATEQUESES DO METROPOLITA HILARION (ALFEYEV) – PARTE 2

A DIVERSIDADE DOS CAMINHOS

Os homens chegam a Deus por vias diferentes. Por vezes o encontro com Deus é repentino e imprevisto, por vezes ainda é preparado por um longo caminhar através de tateamentos, dúvidas, desilusões. Em certos casos, Deus “agarra” o homem, pegando-o desprovido, em outros o homem encontra Deus dirigindo-se a Ele. Esta conversão pode acontecer a qualquer idade, na infância ou adolescência, na maturidade ou velhice. Não existe dois seres que tenham se dirigido a Deus pelo mesmo caminho. Não existe caminho batido que alguém possa emprestar o lugar a outro. Aqui, cada um é o primeiro a traçar a rota, cada um deve percorrer de um lado ao outro e encontrar seu Deus pessoal, a quem dizemos: “Deus, Tu és o meu Deus!” (Sl. 63, 20). Deus é o mesmo para todos os homens, mas Ele deve ser descoberto por mim e existir/ser para mim.

Um dos exemplos de conversão repentina é aquele do Apóstolo Paulo. Antes de se tornar Apóstolo ele era um judeu de estrita obediência que abrogava o Cristianismo como seita nociva e perigosa. “Respirando ameaça e morte”, ele se dirigia a Damasco com a intenção de fazer mal à Igreja, quando ao aproximar-se da cidade “Enquanto isso, Saulo ainda respirava ameaças de morte contra os discípulos do Senhor. Dirigindo-se ao sumo sacerdote, pediu-lhe cartas para as sinagogas de Damasco, de maneira que, caso encontrasse ali homens ou mulheres que pertencessem ao Caminho, pudesse levá-los presos para Jerusalém. Em sua viagem, quando se aproximava de Damasco, de repente brilhou ao seu redor uma luz vinda do céu. Ele caiu por terra e ouviu uma voz que lhe dizia: “Saulo, Saulo, por que Me persegues?” Saulo perguntou: “Quem és Tu, Senhor?”

Ele respondeu: “Eu sou Jesus, a Quem você persegue”(At. 9, 1-5). Cego pela luz Divina, Saulo perde a vista, durante três dias ele não vê nada e torna-se um apóstolo de Cristo, destinado a trabalhar “mais do que todos” na pregação do Evangelho (cf. I Co. 15, 1). Imediatamente após seu batismo se põe a pregar este mesmo Cristo que havia Se revelado pessoalmente a ele e tornado doravante seu Deus.

Com certeza, a conversão a Deus está bem longe de se produzir sempre ao imprevisto e por supresa; o mais geralmente a descoberta vem após uma longa busca. Hoje, certos começam por buscar nos livros uma “verdade” abstrata, cortada da vida, antes de encontrar a revelação do Deus Pessoal. Por vezes, chegamos ao Cristianismo por caminhos deturpados, por religiões e cultos do Oriente, o budismo, a yoga. Outros veem a Deus depois de terem vivido um drama, a perda de uma pessoa próxima, um mal, uma doença, a ruína de suas esperanças.

A conversão a Deus pode intervir através do encontro com um fiel autêntico, padre ou leigo fervoroso.

O caminho mais seguro a Deus parece ser aquele de uma criança que nasce numa família crente, e cresce na fé.

Todavia, a fé, ainda que transmitida por vezes pelos ancestrais, deve ser compreendida pela inteligência ou passar pelos sofrimentos da pessoa, ela deve se tornar parte integrante de sua própria existência. Conhecemos o caso de ateus provenientes de famílias crentes ou mesmo filhos e netos de sacerdotes e clérigos…Não se nasce crente/fiel. A fé é um dom, um dom obtido graças aos esforços, aos atos de coragem daqueles que a buscam.

A FILOSOFIA BUSCA O CRIADOR DO UNIVERSO

Em todo tempo, sobre a terra o homem aspira descobrir em seu ser a verdade, compreender o sentido da vida. Na Grécia antiga os filósofos se lançavam na exploração das leis do universo bem como das leis do pensamento humano, com a esperança de atingir assim o conhecimento das causas primárias que regem todas as coisas. Os filósofos não analisam somente as leis da razão e da lógica, mas estudam igualmente a astronomia e a física, as matemáticas e a geometria, a música e a poesia. A diversidade de conhecimentos ia de par com uma vida religiosa e ascética, sem a qual não saberia atingir a purificação do espírito, da alma e do corpo – a conhecida catharsis.

Ao estudar o mundo visível, os filósofos chegam a conclusão de que nada é por acaso no universo, onde cada parcela tem seu lugar e cumpre sua função, estando submissa a leis estritas: os planetas jamais desviam de sua órbita, e os satélites não abandonam os planetas. Harmonia e finalidade reinam em toda parte no mundo, ao ponto de os anciãos lhes darem o nome de Cosmos, o que quer dizer “beleza, ordem, harmonia”, oposto a caos, desordem, desarmonia. O cosmos fazia figura de enorme mecanismo cujo movimento seguia o ritmo imutável, cujo pólo não enfraquecia nunca. Ora, um mecanismo deve ser criado por alguém, um relógio deve ser fabricado e remontado. Os filósofos, pela via da dialética, chegam então à ideia de um Construtor único do universo. Platão o chama de Criador, Pai, Deus, Demiurgo, este ultimo termo designando um Mestre de obra, um chefe de trabalhos.

Os filósofos falam igualmente de um Logos (em grego, logos significa “palavra, razão, pensamento, lei”), concebido primitivamente como uma lei eterna e universal, sobre o fundamento do qual todo mundo está estruturado. Todavia o Logos não é somente um conceito, uma ideia abstrata, mas igualmente uma força criativa divina, intermediária entre Deus e o mundo criado. Tal era o ensinamento de Filon de Alexandria e dos neo-platocianos.

Junto a Plotino, o representante da escolar neo-platociana, a filosofia se transforma quase em religião; ele insiste sobre a transcendência, o infinito, o absoluto e a incognoscibilidade da divindade; algumas definições não podem conceber, algumas propriedades não podem ser-lhe atribuídas. Sendo a plenitude do ser, o Uno (é assim que Plotino nomeava Deus) engendra todas as outras formas de ser, cuja primeira é a inteligência, e a segunda a alma do mundo; para além da esfera da Alma do mundo se estende o mundo material, quer dizer o universo do qual a Alma insufla a vida. Da sorte o mundo aparece como o reflexo da realidade divina e traz nele traços da beleza e da perfeição. O Uno, a Inteligência e a Alma formam conjuntamente a Triade divina (Trindade). Por meio da purificação, a catharsis, o homem pode se elevar até a contemplação de Deus, contudo o que quer que façamos, Deus permanece inconcebível e inascessível, o que quer que façamos, Ele permanece um mistério.

A filosofia antiga investe mais pela dialética as verdades que serão reveladas definitivamente no Cristianismo, o Deus único, o Criador do mundo, o Filho Logos divino, a Trindade Santa. Não é à toa que os primeiros autores cristãos chamavam a filosofia de “o Cristianismo antes de Cristo”.

A RELIGIÃO DA REVELAÇÃO DIVINA

A maioria dos povos vivos no mundo pré-cristão estavam mergulhados nas trevas do politeísmo.

Todavia, houve um povo eleito de Deus, a quem Deus havia confiado o mistério do conhecimento acerca d’Ele Próprio, sobre a criação do mundo, sobre o sentido da vida. Os antigos judeus conheciam Deus não pelos livros, nem pelos raciocínios dos sábios, mas por sua própria experiência multi-secular. Eles deixaram um grande livro, a Bíblia, que não saiu da imaginação dos homens mas antes foi dado do Alto, por uma revelação direta de Deus. Noé, Abraão, Isaac, Jacob, Moisés, Elias, uma multidão de Justos e Profetas não se contentavam em meditar acerca de Deus, eles Lhe oravam, eles O viam com seus próprios olhos, eles falavam com Ele face a Face.

Todas as revelações de Deus no Antigo Testamento têm um caráter pessoal. Deus Se revela ao homem não como uma força abstrata, mas como um Ser vivo que fala, escuta, vê, pensa, Se mostra disponível em ajudar.

Deus toma uma parte ativa e animada na vida do povo de Israel. Quando Moisés conduz o povo para fora do Egito à terra prometida, Deus, Ele próprio o precede na coluna de fogo, Deus habita no meio do povo, dialoga com ele, reside na casa que Lhe constroem.

O mais maravilhoso na religião revelada é que Deus permanece sob a coberta do mistério, no desconhecimento, e ao mesmo tempo tão próximo das pessoas que podem chamá-Lo “nosso Deus” e “meu Deus”. Um abismo separa aqui a revelação de Deus dos cumes atingidos pelo pensamento humano: o Deus dos filósofos permanece abstrato e inerte, enquanto o Deus da revelação é vivo, próximo e pessoal. Tanto um como o outro caminho nos levam a compreender que Deus é inconcebível e que Ele é mistério; a filosofia deixa o homem no pé da montanha sem lhe dar a possibilidade de se elevar mais alto, enquanto a religião o conduz até o cimo, onde Deus vive nas trevas, ela o introduz ao interior da nuvem, quer dizer, acima de todas as palavras e deduções da razão, ela lhe apresenta o mistério de Deus…

Metropolita Hilarion Alfeyev
tradução de monja Rebeca (Pereira)

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Aurora Ortodoxia

Aurora Ortodoxia é um labor online missionário de cristãos ortodoxos brasileiros de distintas jurisdições canônicas, dedicado ao aprofundamento e iluminação daqueles que se interessam em conhecer a Fé Ortodoxa por meio da experiëncia da Santa Tradição.

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