CATEQUESES DO METROPOLITA HILARION (ALFEYEV) – PARTE 1

INTRODUÇÃO: O DOGMA E A ESPIRITUALIDADE

No mundo contemporâneo, nos deparamos com a realidade da bastante difundida opinião de que os dogmas representam algo de secundário e não obrigatório na religião, cedendo o primeiro lugar aos mandamentos éticos. Donde a indiferença religiosa e o pouco interesse pela teologia. Todavia, a Igreja hoje tem a consciência de que os dogmas e os mandamentos estão indissoluvelmente ligados, quer dizer, um não pode seguir sem o outro. “A fé sem obras é morta” nos diz o Apóstolo Tiago (Tg. 2, 26). E segundo o Apóstolo Paulo, “o homem é justificado pela fé, sem as obras da lei.”(Rom. 3, 28). Entre estas duas frases não existe contradição: as obras são indispensáveis mas não salvam por si-próprias, sem a fé, pois que é o Cristo que salva os homens, e não as obras de caridade.

“E conhecereis a Verdade e a Verdade vos libertará”, diz Cristo (Jo.8, 32), que é Ele Próprio a Verdade, o Caminho e a Vida (Jo.14, 6). Cada dogma revela a Verdade, mostra o Caminho e faz comungar à Vida.

A teologia não deve estar em contradição com a experiência espiritual, mas ao contrário, decorrer dela própria; é precisamente desta forma que procede a teologia dos Santos Padres há mais de vinte séculos, desde o Apóstolo Paulo e Santo Ignácio de Antioquia até São Teófano, o Recluso e São Siluan, o Athonita.

Fundada sobre a experiência espiritual, estrangeira ao racionalismo e à escolástica, a teologia ortodoxa permanece em nossos dias ainda viva e ativa como nos séculos precedentes. As mesmas questões de outrora são colocadas hoje ao homem: o que é a Verdade? onde está o sentido da vida? como encontrar a felicidade? como adquirir a beatitude?

O Cristianismo não visa colocar os pontos sobre os I, fazendo o inventário até o esgotamento de todas as interrogações da alma humana. No entanto, revela uma outra realidade, que ultrapassa de tal maneira tudo que nos rodeia nesta vida terrestre, que, ao pôr-se em sua presença o homem esquece seus questionamentos e suas perplexidades, pois que sua alma se vê em contato com o Divino e se cala face a Presença do Mistério que nenhuma palavra humana é capaz de exprimir.

A BUSCA DA FÉ

A fé é um caminho no qual Deus e o homem vão um ao encontro do outro. Deus dá o primeiro passo, Sua fé incondicional no homem não se desmente nunca. Ele lhe dá um sinal, um pressentimento de Sua presença. O homem compreende este apelo de Deus, misterioso em aparência, e o passo que ele faz em direção a Ele é a resposta a este apelo. Deus lança ao homem um apelo claro ou secreto, sensível ou quase imperceptível. Todavia, será difícil ao homem crer em Deus se ele não tiver sentido antes este apelo.

A fé é um segredo, um mistério. Por que tal homem responde a este apelo e aquele outro não? Por que, depois de ter ouvido a palavra de Deus, um se vê pronto a recebê-la enquanto o outro permanece surdo? Por que, depois de ter encontrado Deus em seu caminho, um logo deixa tudo e o outro se desvia e parte para seu canto? “E Jesus, andando junto ao mar da Galiléia, viu dois irmãos, Simão, chamado Pedro, e André, os quais lançavam as redes ao mar, porque eram pescadores. E disse-lhes: Vinde após Mim, e Eu vos farei pescadores de homens. Então, eles, deixando logo as redes, seguiram-No. E, adiantando-se dali, viu outros dois irmãos: Tiago, filho de Zebedeu, e João, seu irmão, num barco com Zebedeu, seu pai, consertando as redes; e chamou-os. Eles, deixando imediatamente o barco e seu pai, seguiram-No.”(Mt. 4, 18-22). Como explicar o mistério desta prontidão por parte dos pescadores galileus, prontos a tudo deixar para seguir o Cristo Que viam pela primeira vez em suas vidas? E por que o jovem homem rico, a quem Cristo se dirige e diz “vem e segue-Me” não responde ao chamado, mas “se vai todo triste”(Mt. 19, 21-22)? Será que a razão não seria a de estes serem pobres e aquele possuir “grandes bens”, estes nada possuíam, além de Deus, mas aquele tinha “tesouros sobre a terra”?

Cada ser humano possui seus tesouros sobre a terra, quer seja dinheiro ou objetos, um bom trabalho ou certa felicidade de viver. Ora, o Senhor diz: “Bem-aventurados os pobres em espírito, porque deles é o Reino dos Céus”(Mt. 4, 3). As antigas versões do Evangelho de Lucas dão um versículo mais simples e mais direto: “Bem-aventurados vós os pobres, pois que o Reino dos Céus é vosso” (Lc. 6, 2). Bem-aventurados aqueles que tem o sentimento de nada possuir nesta vida, quer estando no topo de uma fortuna e pressentem que aquisição terrestre alguma pode substituir Deus para o homem. Bem-aventurados aqueles que vão vender tudo o que possuem para adquirirem a pérola de grande preço – a fé (Mt. 13, 45-46). Bem-aventurados aqueles que souberam que sem Deus são pobres, sedentos e famintos de toda sua alma, seu espírito e sua vontade.

O APELO

Uma palavra sobre a fé nunca é fácil de ser recebida. Em nossa época, as pessoas se encontram tão ocupadas pelos/com os problemas da existência que muitos são aqueles que não tem simplesmente tempo de ouvir esta palavra e de pensarem em Deus. Por vezes, o sentimento religioso se limita a festejar Natal e Páscoa, a observar ainda alguns ritos, simplesmente para “não cortar as raízes”, das tradições nacionais. Mas para muitos o grande afazer é a vida ativa, o trabalho. “Ele se encontra completamente imerso no trabalho”, “o trabalho é tudo para ele”, “é um homem de ação”: eis o melhor elogio que ele pode receber de seus amigos e colegas. Os “homens de ação” formam esta geração particular de homens do XX século, para os quais não existe nada além de uma Companhia ou um business qualquer onde exerçam sua atividade, que lhes monopoliza totalmente ao ponto de não deixar passar o mínimo brilho, de não se permitirem uma mínima pausa, indispensáveis para escutar a voz de Deus.

Apesar de tudo isto, e também paradoxal ao que isto pareça, no meio do barulho, no turbilhão das atividades, dos acontecimentos e das impressões, as pessoas ouvem em seus interiores o apelo misterioso do Divino. Pode acontecer que tal apelo não seja reconhecido como vindo da Divindade, ou da ideia que fazemos, e seja geralmente apercebido de maneira subjetiva como uma insatisfação, uma inquietude interior, uma busca. Faz necessário muitos anos para que o homem tome consciência do pouco de valor e da derrota de sua vida interior, pelo fato de Deus estar ausente. Sem Ele não há e nem nunca saberá haver plenitude do ser. “Tu nos criaste para Ti, escreve Santo Agostinho, e nosso coração não alcançará repouso antes de poder repousar em Ti”.

Metropolita Hilarion Alfeyev
tradução de monja Rebeca (Pereira)

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Aurora Ortodoxia

Aurora Ortodoxia é um labor online missionário de cristãos ortodoxos brasileiros de distintas jurisdições canônicas, dedicado ao aprofundamento e iluminação daqueles que se interessam em conhecer a Fé Ortodoxa por meio da experiëncia da Santa Tradição.

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