O FIM DA HISTÓRIA
Desde o início, a Igreja Cristã tem vivido na expectativa da Segunda Vinda de Jesus Cristo. Essa crença se baseia nas palavras de nosso Senhor, que, pouco antes de Sua morte na cruz, prometeu aos Seus discípulos que viria novamente. A crença na Segunda Vinda de Cristo também se reflete nas Epístolas Católicas, bem como no corpus paulino. O ensinamento expresso nesses textos pode ser resumido da seguinte forma: Primeiro, “o dia do Senhor” virá inesperadamente. Segundo, antes desse “dia” haverá um período de agitação social, desastres naturais, guerras e perseguições à Igreja. Terceiro, muitos pseudoprofetas e pseudocristos aparecerão, alegando ser Cristo e enganando muitas pessoas. Em seguida, virá o Anticristo, que ganhará grande poder e influência na Terra. E, finalmente, o poder do Anticristo será destruído por Cristo.
Podemos notar o papel altamente significativo do Anticristo pouco antes do fim da história. De fato, é sua atividade, dirigida contra Deus e a Igreja, que levará o mundo ao seu último dia. Quem, então, é esse Anticristo? Ao longo da história, muitos tentaram descrever suas características e prever o tempo de sua vinda. Alguns o viam como um grande líder religioso, uma espécie de antideus que tentaria substituir a verdadeira fé por alguma pseudorreligião: ele faria as pessoas acreditarem nele e não no verdadeiro Cristo. Outros viam no Anticristo um grande líder político que ganharia poder sobre toda a Terra.
A figura do Anticristo tem consistentemente atraído a atenção especial de muitas pessoas. Paradoxalmente, alguns cristãos parecem estar mais interessados na vinda do Anticristo do que na vitória final de Cristo sobre ele. O eschaton é frequentemente entendido como um reino de medo: uma catástrofe e devastação globais iminentes. O fim do mundo não é aguardado com ansiedade, como era no Cristianismo primitivo; ao contrário, é temido e estremecido de horror.
Em contraste, a Escatologia do Novo Testamento e da Patrística é de esperança e segurança: era centrada em Cristo, e não no Anticristo. Quando os apóstolos falam em suas epístolas da proximidade da Segunda Vinda de Cristo, o fazem com grande entusiasmo e esperança. Eles não estavam muito interessados na proximidade cronológica da Segunda Vinda; mais importante, viviam com um sentimento constante da presença de Cristo (a palavra grega para “vinda”, parousia, também significa “presença”). A Igreja primitiva não vivia pelo medo da vinda do Anticristo, mas pela alegre expectativa do encontro com Cristo quando a história do mundo terminasse. Os “últimos tempos” escatológicos começam no exato momento da Encarnação do Filho de Deus e continuarão até Sua Segunda Vinda. O “mistério da iniquidade”, de que fala São Paulo, já está “operando” (2 Tessalonicenses 2:7); será cada vez mais claramente revelado na história. Juntamente com a revelação do mal, porém, haverá também a atividade de preparação interior da humanidade para o encontro com seu Salvador. A batalha entre Cristo e o Anticristo terminará com a gloriosa vitória do primeiro. O olhar dos cristãos está voltado para essa vitória, não para o tempo de turbulência que a precederá, um tempo que, de fato, já começou e pode continuar por muito tempo.
O fim do mundo significará a libertação da humanidade do mal, do sofrimento e da morte, e sua transformação e movimento para outro modo de existência, cuja natureza ainda não conhecemos. Sobre esse glorioso desfecho da história humana, São Paulo fala da seguinte maneira: “Eis que vos digo um mistério: Nem todos dormiremos, mas todos seremos transformados, num momento, num abrir e fechar de olhos, ao som da última trombeta. Porque a trombeta soará, e os mortos ressuscitarão incorruptíveis, e nós seremos transformados. Porque é necessário que esta natureza corruptível se revista da incorruptibilidade, e que esta natureza mortal se revista da imortalidade. Quando a corrupção se revestir da incorruptibilidade, e o mortal se revestir da imortalidade, então se cumprirá a palavra escrita: Tragada foi a morte na vitória” (1 Coríntios 15:51-54).
MORTE E RESSURREIÇÃO
“A morte é um grande mistério”, diz Santo Inácio Brianchaninov. “É o nascimento da pessoa humana da vida transitória para a eternidade”. O Cristianismo não considera a morte como um fim: pelo contrário, a morte é o início de uma nova vida, para a qual a vida terrena é apenas uma preparação. A pessoa humana foi criada para a eternidade; no Paraíso, ela foi alimentada da “árvore da vida” e era imortal. Após a queda, no entanto, o caminho para a “árvore da vida” foi bloqueado, e ela se tornou mortal e temporal. Segundo alguns escritores da Igreja, a humanidade foi condenada à morte porque o mandamento de Deus foi quebrado. Outros autores defendem a opinião de que a morte foi imposta para libertar os humanos do pecado e, por meio da morte, abrir o caminho para a imortalidade.
O que acontece com as almas após a morte? De acordo com o ensinamento tradicional da Igreja Ortodoxa, as almas não deixam a Terra imediatamente após deixarem o corpo. Durante três dias, elas permanecem próximas à Terra e visitam os lugares aos quais estavam associadas. Enquanto isso, os vivos demonstram consideração especial pelas almas dos falecidos, oferecendo orações memoriais e serviços fúnebres. Durante esses três dias, a tarefa pessoal dos vivos é se reconciliar com os falecidos, perdoá-los e pedir seu perdão.
Passados três dias, as almas dos que partiram ascendem ao Juiz para serem submetidas ao Seu julgamento pessoal. As almas justas são então arrebatadas pelos anjos e levadas ao limiar do Paraíso, chamado de “seio de Abraão”: ali permanecem aguardando o Juízo Final. Os pecadores, por outro lado, encontram-se “no Inferno”, “em tormentos” (cf. Lucas 16:22-23). Mas a divisão final entre salvos e condenados ocorrerá de fato no Juízo Final universal, quando “muitos dos que dormem no pó da terra ressuscitarão, uns para a vida eterna, e outros para vergonha e desprezo eterno” (Dn 12:2). Antes do Juízo Final, as almas justas antecipam a alegria do Paraíso, enquanto as almas dos pecadores antecipam os tormentos da Geena.
De acordo com muitos Padres da Igreja, o novo corpo será imaterial e incorruptível, como o corpo de Cristo após a Sua ressurreição. No entanto, como aponta São Gregório de Nissa, ainda haverá uma afinidade entre o novo corpo imaterial de uma pessoa e aquele que ela possuía em sua vida terrena. Gregório vê a prova disso na parábola do homem rico e Lázaro: o primeiro não teria reconhecido o segundo no inferno se não restassem características físicas que permitissem que as pessoas se identificassem. Há o que Gregório chama de “selo” do corpo anterior impresso em cada alma. A aparência do novo corpo incorruptível assemelhar-se-á, de certa forma, ao antigo corpo material. São Gregório também afirma que o corpo incorruptível, após a ressurreição, não apresentará nenhuma das marcas de corrupção que caracterizavam o corpo material, como mutilação, envelhecimento e assim por diante. Imediatamente após a ressurreição comum, ocorrerá o Juízo Final, no qual será tomada a decisão final sobre quem é digno do Reino dos Céus e quem deve ser condenado aos tormentos do Inferno. Antes desse evento, porém, existe a possibilidade de a pessoa no Inferno obter a libertação; após o Juízo Final, essa possibilidade não existe mais.
O JULGAMENTO FINAL
No momento da morte, a alma deixa o corpo e entra em seu novo modo de existência. Ela não perde a memória, nem a capacidade de pensar ou sentir, mas parte para o outro mundo carregada com o fardo de sua vida, com as memórias de seu passado e a responsabilidade por seus pecados.
O ensinamento cristão sobre o Juízo Final baseia-se no entendimento de que todos os atos pecaminosos e malignos cometidos pela pessoa deixam certos vestígios em sua alma, e que a pessoa deve prestar contas de tudo diante daquele Bem Absoluto, com o qual nenhum mal ou pecado pode coexistir. O Reino de Deus é incompatível com o pecado: “…Nada impuro entrará nele, nem quem pratica abominação ou mentira, mas somente aqueles cujos nomes estão inscritos no livro da vida do Cordeiro” (Ap 21:27). Todo mal pelo qual o arrependimento não foi demonstrado no sacramento da confissão, todo pecado que foi ocultado, toda contaminação da alma que não foi purificada, tudo isso será revelado durante o Juízo Final. Nas palavras de Cristo: “…Nada há encoberto que não venha a ser manifesto; e nada há escondido que não venha à luz” (Mc 4:22).
A Parábola do Juízo Final de Jesus Cristo (Mt 25:31-46) indica que, para muitas pessoas, o Juízo Final se tornará um momento de discernimento, reconhecimento e conversão, enquanto para outras poderá se tornar uma grande decepção e frustração. Aqueles que tinham certeza de sua própria salvação se verão repentinamente condenados, enquanto aqueles que talvez não tenham encontrado Cristo em sua vida terrena (‘quando te vimos?’), mas foram misericordiosos com o próximo, serão salvos. Nesta parábola, o Rei não questiona as pessoas sobre questões de crença, doutrina e prática religiosa. Ele não lhes pergunta se foram à igreja, se jejuaram ou se oraram por muito tempo: apenas lhes pergunta como trataram Seus “irmãos”. Os principais critérios do Juízo Final são, portanto, os atos de misericórdia realizados ou não pelas pessoas durante suas vidas terrenas.
De acordo com o ensinamento da Igreja, o Juízo Final será universal: todas as pessoas passarão por ele, sejam crentes ou não, cristãos ou não cristãos. Se os cristãos serão julgados pelos padrões do Evangelho, os pagãos serão julgados pela lei natural que está “escrita em seus corações” (Rm 2:15). Os cristãos assumirão total responsabilidade por seus atos como aqueles que “conheceram” a vontade de Deus, enquanto alguns não cristãos serão tratados com menos rigor por não conhecerem a Deus ou Sua vontade. O Juízo “começará pela casa do Senhor” (1 Pe 4:17), isto é, pela Igreja e seus membros, e não por aqueles que não encontraram Cristo nem ouviram a mensagem do Evangelho.
No entanto, tanto o Novo Testamento quanto a Tradição Patrística Ortodoxa sugerem que todas as pessoas terão alguma experiência de encontro com Cristo e Sua mensagem, incluindo aquelas que não O encontraram em Sua vida terrena. Em particular, São Pedro fala da descida de Cristo ao inferno e de Sua pregação aos pecadores que se afogaram nas águas do Dilúvio: “Pois também Cristo morreu uma única vez pelos pecados, o Justo pelos injustos, para levar-nos a Deus; morto, sim, na carne, mas vivificado no Espírito; no qual, indo, pregou aos espíritos em prisão, que outrora foram desobedientes, quando a longanimidade de Deus esperava, nos dias de Noé, durante a construção da arca; na qual poucos, isto é, oito pessoas, foram salvos pela água. O Batismo, que corresponde a isso, agora vos salva… pela ressurreição de Jesus Cristo…” (1 Pedro 3:18-21)
Se Cristo pregou no inferno, Sua mensagem foi dirigida a todas as pessoas ou apenas aos escolhidos? Segundo alguns escritores eclesiásticos, Cristo pregou apenas aos justos do Antigo Testamento que estavam no Inferno esperando por Ele. Para outros, a mensagem de Cristo foi dirigida a todas as pessoas, incluindo aquelas que viviam no paganismo, fora da verdadeira fé. Essa visão é expressa por Clemente de Alexandria, que sustenta que Cristo pregou não aos justos que seriam salvos, mas aos pecadores que foram condenados por suas más ações. Os pecadores que foram confinados no inferno devem ter encontrado o Senhor para comparecer diante Dele no Juízo Final.
Pode haver uma resposta aqui para a complexa questão de saber se existe ou não a possibilidade de não cristãos e não crentes serem salvos? A Tradição Ortodoxa sempre afirmou que não há salvação fora de Cristo, do Batismo e da Igreja. No entanto, nem todos que durante sua vida terrena não encontraram Cristo estão privados da possibilidade de serem libertados do inferno, pois mesmo no Inferno a mensagem do Evangelho é ouvida. Tendo criado a pessoa humana com livre-arbítrio, Deus aceitou a responsabilidade por Sua salvação; e essa salvação foi realizada por Cristo. Uma pessoa que rejeita deliberadamente a Cristo e Seu Evangelho faz sua escolha pelo diabo e se torna culpada de sua própria condenação: “…Aquele que não crê já está condenado, porque não creu no Nome do Filho Unigênito de Deus” (João 3:18). Mas como pode alguém que nunca ouviu o Evangelho ser condenado, alguém que nasceu em um país não cristão ou que cresceu em uma família ateísta? “Imaginem que o Evangelho não foi proclamado àqueles que morreram antes da vinda de Cristo”, diz Clemente de Alexandria. “Então, tanto a salvação quanto a condenação deles são uma questão de gritante injustiça”. Da mesma forma, aqueles que morreram após a vinda de Cristo, mas não ouviram a mensagem do Evangelho, não podem ser tratados como se O tivessem rejeitado deliberadamente. É por isso que Cristo pregou no Inferno para que cada pessoa humana criada por Ele fizesse uma escolha entre o bem e o mal e, em conexão com essa escolha, fosse salva ou condenada.
“O QUE É O INFERNO?”
“Pais e mestres! Eu pergunto: O que é o inferno? Eu respondo: Sofrer pela impossibilidade de amar mais”. Estas são as palavras do Ancião Zósima, o célebre monge de Dostoiévski em Os Irmãos Karamazov.
Por que o inferno? Muitas pessoas perguntam. Por que Deus condena as pessoas à condenação eterna? Como a imagem de Deus, o Juiz, pode ser conciliada com a mensagem neo-testamentária de Deus como amor? Santo Isaac, o Sírio, responde a essas perguntas da seguinte maneira: não há pessoa que seja privada do amor de Deus, e não há lugar que seja desprovido dele; todo aquele que deliberadamente escolhe o mal em vez do bem priva-se da misericórdia de Deus. O mesmo amor divino que é fonte de bem-aventurança e consolação para os justos no Paraíso torna-se fonte de tormento para os pecadores, pois estes não podem participar dele e estão fora dele.
Portanto, não é Deus quem prepara impiedosamente os tormentos para uma pessoa, mas sim a própria pessoa que escolhe o mal e depois sofre com suas consequências. Há pessoas que deliberadamente se recusam a seguir o caminho do amor, que fazem o mal e prejudicam o próximo: estas são as que não conseguirão se reconciliar com o Amor Supremo quando o encontrarem face a face. Alguém que está fora do amor durante sua vida terrena não encontrará uma maneira de estar dentro dele quando deixar o corpo. Ele se encontrará no “vale da sombra da morte” (Sl 23:4), “nas trevas” e “na terra do esquecimento” (Sl 88:12), dos quais falam os salmos. Jesus chamou esse lugar, ou melhor, essa condição da alma após a morte, de “trevas exteriores” (Mt 22:13) e “inferno de fogo” (Mt 5:22).
Deve-se notar que a noção de inferno foi distorcida pelas imagens grosseiras e materiais com as quais foi revestida na literatura medieval ocidental. Lembramos Dante com sua descrição detalhada dos tormentos e castigos aos quais os pecadores são submetidos. A escatologia cristã deve ser libertada dessa imagem: esta reflete uma abordagem medieval católica com sua “pedagogia do medo” e sua ênfase na necessidade de satisfação e punição. O Juízo Final de Michelangelo, na Capela Sistina, retrata Cristo lançando ao abismo todos aqueles que ousaram se opor a Ele. “Certamente, não é assim que vejo Cristo”, diz o Arquimandrita Sofrônio (Sakharov). “…Cristo, naturalmente, deve estar no centro, mas um Cristo diferente, mais em consonância com a revelação que temos d´Ele: Cristo imensamente poderoso com o poder do amor despretensioso. Se Deus é amor, Ele deve estar cheio de amor mesmo no momento do Juízo Final, mesmo quando pronuncia Sua sentença e condena alguém à morte.
Para um cristão ortodoxo, as noções de inferno e tormentos eternos estão inseparavelmente ligadas ao mistério revelado nos serviços litúrgicos da Semana Santa e da Páscoa, o mistério da descida de Cristo ao inferno e Sua libertação daqueles que ali estavam presos sob a tirania do mal e da morte. A Igreja ensina que, após Sua morte na Cruz, Cristo desceu ao abismo para aniquilar o inferno e a morte, e destruir o horrendo reino do Diabo. Assim como Cristo santificou o Jordão, que estava cheio de pecado humano, ao descer em suas águas, ao descer ao Inferno, Ele o iluminou inteiramente com a luz de Sua presença. Incapaz de tolerar essa invasão sagrada, o inferno se rendeu: “Hoje o inferno geme e clama em voz alta: Teria sido melhor para mim se eu não tivesse aceitado o Filho de Maria, pois Ele veio a mim e destruiu meu poder; Ele quebrou os portões de bronze e, como Deus, Ele ressuscitou as almas que outrora eu possuía”… Nas palavras de São João Crisóstomo, “O inferno ficou amargurado quando Te encontrou face a face lá embaixo. Ficou amargurado, pois foi anulado. Ficou amargurado, pois foi ridicularizado”. Isso não significa que, após a descida de Cristo, o inferno não exista mais. Ele existe, mas já está condenado à morte.
‘…UM NOVO CÉU E UMA NOVA TERRA’
O Paraíso não é um lugar, mas sim um estado da alma. Assim como o inferno é um sofrimento devido à impossibilidade de amar, o Paraíso é a bem-aventurança que deriva da abundância de amor e luz. Aquele que se uniu a Cristo participa completa e integralmente do Paraíso. A palavra grega paradeisos significa tanto o Jardim do Éden, onde o homem primordial foi colocado, quanto a era vindoura, onde aqueles que foram redimidos e salvos por Cristo desfrutam da bênção eterna. Também pode ser aplicada ao estágio final da história humana, quando toda a criação será transformada e Deus será ‘tudo em todos’. A bênção do Paraíso também é chamada na tradição cristã de ‘Reino dos Céus’, ‘a vida da era vindoura’, ‘o oitavo dia’, ‘um novo céu’, ‘a Jerusalém celestial’.
Existem muitas descrições do Paraíso na literatura hagiográfica e patrística, algumas delas muito pitorescas, incluindo árvores, frutas, pássaros, aldeias e assim por diante. Certos santos bizantinos, como André, o Louco, e Teodora, foram “arrebatados ao terceiro céu” (2 Coríntios 12:2) e, ao retornarem, descreveram o que viram lá. Os autores de suas biografias, no entanto, enfatizam que as palavras humanas podem explicar a experiência da participação no divino apenas em um grau limitado. O conceito de Paraíso, assim como o de inferno, deve ser separado das imagens materiais às quais geralmente é associado. Além disso, a ideia de “muitos cômodos” (cf. João 14:2) não deve ser entendida de forma tão literal: os “cômodos” não são lugares, mas sim diferentes graus de proximidade com Deus. Como explica São Basílio, “alguns serão honrados por Deus com maiores privilégios, outros com menores, pois estrela difere de estrela em glória” (cf. 1 Coríntios 15:41). E como há muitos aposentos com o Pai, algumas pessoas repousarão em um estado mais supremo e exaltado, e outras em um estado inferior. Segundo São Simeão, o Novo Teólogo, todas as imagens relacionadas ao Paraíso, sejam elas “cômodos” ou “mansões”, bosques ou campos, rios ou lagos, pássaros ou flores, são apenas símbolos diferentes da bênção cujo centro não é outro senão o próprio Cristo.
São Gregório de Nissa propõe uma ideia semelhante de Deus como o único e integral deleite do Reino dos Céus. Ele próprio substitui todos os deleites transitórios da vida mortal: “… Enquanto vivemos nossa vida presente de muitas maneiras diferentes, há muitas coisas das quais participamos, como tempo, ar, lugar, comida e bebida, roupas, sol, luz de lâmpada e muitas outras necessidades da vida, das quais nenhuma é Deus. A bem-aventurança que aguardamos, no entanto, não precisa de nenhuma delas, mas a Natureza divina se tornará tudo para nós e substituirá tudo, distribuindo-se adequadamente para cada necessidade dessa vida…”
Assim, de acordo com São Gregório e alguns outros Padres da Igreja, o resultado final de nossa história será glorioso e magnífico. Após a ressurreição de todos e o Juízo Final, tudo estará centrado em Deus, e nada permanecerá fora d´Ele. Todo o cosmos será mudado e transformado, transfigurado e iluminado. Deus será “tudo em todos”, e Cristo reinará nas almas das pessoas que Ele redimiu. Esta é a vitória final do bem sobre o mal, de Cristo sobre o Anticristo, da luz sobre as trevas, do Paraíso sobre o inferno. Esta é a aniquilação final da morte. Então se cumprirá a palavra que está escrita: Tragada foi a morte pela vitória. Onde está, ó morte, o teu aguilhão? Onde está, ó inferno, a tua vitória?… Mas graças a Deus, que nos dá a vitória por nosso Senhor Jesus Cristo (1 Co 15:54-57).
Metropolita Hilarion (Alfeyev)
tradução de monja Rebeca (Pereira)





