O CASAMENTO
O amor que existe entre um homem e uma mulher é um tema importante em muitos livros das Escrituras. O Livro do Gênesis, em particular, nos fala de casais santos e piedosos, como Abraão e Sara, Isaac e Rebeca, Jacob e Raquel. Uma bênção especial, concedida a esses casais pelo Senhor, manifestou-se na multiplicação de seus descendentes. O amor é louvado no Cântico dos Cânticos, um livro que, apesar de todas as interpretações alegóricas e místicas da tradição patrística, não perde seu significado literal.
A própria atitude de Deus para com o povo de Israel é comparada no Antigo Testamento à de um marido para com sua esposa. Essa imagem é desenvolvida a tal ponto que a infidelidade a Deus e a idolatria são equiparadas ao adultério e à prostituição. Quando São Paulo fala do amor conjugal como reflexo do amor que existe entre Cristo e a Igreja (cf. Ef 5,20-33), ele desenvolve a mesma imagem.
O mistério do matrimônio foi estabelecido por Deus no Paraíso. Tendo criado Adão e Eva, Deus disse-lhes: “Sede fecundos e multiplicai-vos” (Gn 1,28). Essa multiplicação da raça humana seria alcançada por meio do casamento: “Por isso, o homem deixará pai e mãe e se unirá à sua mulher, e os dois se tornarão uma só carne” (Gn 2,24). A união conjugal, portanto, não é consequência da Queda, mas algo inerente à natureza primordial dos seres humanos. O mistério do matrimônio foi ainda mais abençoado pelo Senhor Encarnado quando Ele transformou água em vinho nas bodas de Caná da Galileia. “Afirmamos”, escreve São Cirilo de Alexandria, “que Ele (Cristo) abençoou o matrimônio de acordo com a economia (oikonomia) pela qual Ele Se fez homem e foi… às bodas de Caná da Galileia”.
Há dois mal-entendidos sobre o matrimônio que devem ser rejeitados na Teologia Dogmática Ortodoxa. Um deles é que o matrimônio existe com o único propósito de procriação. Qual é, então, o significado do casamento para os casais que não têm filhos? Eles são aconselhados a se divorciar e se casar novamente? Mesmo no caso daqueles que têm filhos: eles devem realmente ter relações sexuais uma vez por ano com o único propósito de ‘procriação’? Este nunca foi um ensinamento da Igreja. Pelo contrário, segundo São João Crisóstomo, entre as duas razões pelas quais o casamento foi instituído, a saber, “levar o homem a contentar-se com uma só mulher e a ter filhos”, a primeira é a mais importante: “quanto à procriação, ela não é absolutamente exigida pelo casamento…”. De fato, na compreensão ortodoxa, o objetivo do casamento é que o homem e a mulher se tornem um, à imagem da Santíssima Trindade, cujas três Pessoas estão essencialmente unidas no amor. Para citar São João Crisóstomo novamente, “quando marido e mulher se unem em casamento, não são mais vistos como algo terreno, mas como a imagem do próprio Deus”. O amor mútuo dos dois parceiros no casamento torna-se vivificante e criativo quando um filho nasce como seu fruto. Todo ser humano deve, portanto, ser fruto do amor, e o nascimento de cada um é resultado do amor entre seus pais.
Outro mal-entendido sobre o casamento é que ele deve ser considerado uma “concessão” à “enfermidade” humana: é melhor ser casado do que cometer adultério (esse entendimento é baseado em uma interpretação errada de 1 Coríntios 7:2-9).
Alguns movimentos sectários cristãos primitivos (como o montanismo e o maniqueísmo) defendiam a visão de que a sexualidade em geral é algo impuro e maligno, enquanto a virgindade é o único estado adequado para os cristãos. A Tradição Ortodoxa se opôs veementemente a essa distorção do ascetismo e da moralidade cristãos.
Na Igreja Ortodoxa, não há entendimento da união sexual como algo impuro ou profano. Isso fica claro quando se lêem as seguintes orações do rito ortodoxo do Matrimônio: “Abençoa seu casamento e concede a estes Teus servos… castidade, amor mútuo no vínculo da paz… Conserva o seu leito sem atrito… Faz com que o casamento deles seja honroso. Conserva o leito deles sem mácula. Concede misericordiosamente que eles possam viver juntos em pureza…” A vida sexual é, portanto, considerada compatível com “pureza” e “castidade”, sendo esta última, obviamente, não uma abstinência de relações sexuais, mas sim uma vida sexual libertada daquilo que se tornou sua característica após a queda de Adão. Como diz Paul Evdokimov, “nas uniões harmoniosas… a sexualidade passa por uma espiritualização progressiva para atingir a castidade conjugal”. O amor mútuo entre homem e mulher no casamento torna-se cada vez menos dependente da vida sexual e desenvolve-se numa profunda unidade e união que integra toda a pessoa humana: os dois devem tornar-se não apenas “uma só carne”, mas também uma só alma e um só espírito. No casamento cristão, não é o “prazer” egoísta ou a busca pela “diversão” que é a principal força motriz: é antes uma busca pelo sacrifício mútuo, pela prontidão para tomar a cruz do parceiro como sua, para partilhar toda a vida com o parceiro. O objetivo final do casamento é o mesmo de qualquer outro Sacramento: a deificação da natureza humana e a união com Cristo. Isto só se torna possível quando o próprio casamento é transfigurado e deificado.
No casamento, a pessoa humana é transfigurada; ela supera sua solidão e egocentrismo; sua personalidade é completada e aperfeiçoada. Sob essa luz, o Padre Alexander Elchaninov, um notável padre e teólogo ortodoxo contemporâneo, descreve o casamento em termos de “iniciação” e “mistério”, no qual ocorre “uma transformação completa da pessoa humana”, “o alargamento de sua personalidade, novos olhos, nova percepção da vida, nascimento no mundo, por meio dele, em nova plenitude”. Na união conjugal de dois indivíduos, há tanto a conclusão de suas personalidades quanto o surgimento do fruto de seu amor, um filho, que transforma sua díade em uma tríade: “…Um conhecimento integral de outra pessoa é possível no casamento, um milagre de sensação, intimidade, da visão de outra pessoa… Antes do casamento, a pessoa humana desliza acima da vida, vendo-a de fora. Somente no casamento ela está totalmente imersa nela e entra nela por meio de outra pessoa. Este gozo do verdadeiro conhecimento e da verdadeira vida nos dá aquela sensação de plenitude e satisfação completas que nos torna mais ricos e sábios. E essa plenitude se aprofunda ainda mais quando, de nós dois, unidos e reconciliados, surge um terceiro, nosso filho.
Cristo é Aquele que está presente em todo casamento cristão e que conduz a cerimônia matrimonial na Igreja: o papel do sacerdote não é nem mesmo representar, mas sim apresentar Cristo e revelar Sua presença, como também em outros sacramentos. A história das bodas de Caná da Galileia é lida na cerimônia matrimonial cristã para mostrar que o matrimônio é o milagre da transformação da água em vinho, isto é, da rotina diária em uma festa incessante e cotidiana, uma celebração perpétua do amor de uma pessoa pela outra.
O SACERDÓCIO
O Sacramento do Sacerdócio inclui três ritos litúrgicos de ordenação: ao episcopado, ao presbiterado e ao diaconato.
De acordo com a tradição atual da Igreja Ortodoxa, os bispos são escolhidos entre os monges. Na Igreja primitiva, havia bispos casados: São Paulo diz que um bispo deve ser “marido de uma só mulher” (1 Timóteo 3; 2). No entanto, mesmo nos primeiros séculos, a preferência era dada ao clero monástico ou celibatário. Assim, entre os bispos santos do século IV, apenas São Gregório de Nissa era casado, enquanto Santo Atanásio, São Basílio o Grande, São Gregório, o Teólogo, e São João Crisóstomo eram celibatários. Sacerdotes e diáconos na Igreja Ortodoxa podem ser monásticos ou casados. No entanto, o casamento é possível para o clero apenas antes da ordenação e apenas uma vez: aqueles que se casam pela segunda vez não podem se tornar padres ou diáconos.
A ordenação em níveis hierárquicos, desde os tempos apostólicos, é realizada por meio da imposição de mãos (do grego cheirotonia). De acordo com as regras da Igreja, um padre e um diácono devem ser ordenados por um bispo; um bispo, por vários bispos (não menos que três ou dois). As ordenações ocorrem durante a Liturgia. Um bispo é ordenado após o canto de “Santo Deus” (durante a Liturgia dos catecúmenos); um presbítero, após o Hino dos Querubins; e um diácono, após a consagração dos Santos Dons.
As ordenações episcopais são especialmente solenes. Um padre que será ordenado bispo entra no altar pelas “portas reais” e dá três voltas ao redor da mesa sagrada, beijando seus quatro cantos; o clero e o coro cantam os tropários do rito do Matrimônio. O ordenado então dobra os joelhos diante da mesa sagrada, e os hierarcas impõem as mãos sobre sua cabeça, com o celebrante presidente lendo a oração da ordenação: “A graça divina, que sempre cura o que está enfermo e completa o que está faltando, pela imposição das mãos, eleva-te, o Arquimandrita amante de Deus, (nome), devidamente eleito, para ser o Bispo das cidades salvas por Deus, (nomes). Portanto, rezemos por ele, para que a graça do Espírito Santo possa vir sobre ele”. Em seguida, enquanto o clero e o coro cantam o Kyrie eleison (‘Senhor, tem piedade’), o primeiro hierarca lê outras orações. O bispo recém-ordenado é então revestido das vestes episcopais, enquanto o povo (ou o coro) exclama Axios (‘Ele é digno!’). Essa exclamação é o único vestígio da antiga prática da eleição de bispos por todos os fiéis.
As ordenações sacerdotais e diaconais seguem a mesma ordem: o ordenado entra no altar, circunda a mesa sagrada, beijando suas pontas, dobra os joelhos (ou apenas um joelho, como no caso do diácono); O bispo impõe as mãos e lê as orações de consagração sobre o recém-ordenado; este é então revestido de suas vestes sacerdotais (ou diacônicas) com o Axios cantado pelo povo.
O canto dos tropários do rito do Matrimônio tem um significado especial na ordenação hierárquica: mostra que o bispo (ou padre, ou diácono) está comprometido com sua diocese (ou paróquia). Na Igreja primitiva, era muito incomum que um bispo mudasse de diocese, ou que um padre mudasse de paróquia. Via de regra, a nomeação eclesiástica era vitalícia. Mesmo o Patriarca não era escolhido entre os bispos de um patriarcado específico, mas entre o baixo clero e, em alguns casos, até mesmo entre os leigos.
A Igreja Ortodoxa atribui um significado muito elevado ao Sacramento do Sacerdócio, pois com ele a comunidade eclesiástica recebe seu novo pastor. Apesar de tudo o que foi escrito e dito sobre o “sacerdócio real” de todos os fiéis, a Igreja também reconhece a diferença entre leigos e um padre ordenado, sendo este último encarregado da celebração da Eucaristia e tendo o poder de “ligar e desligar”. A ordenação a um grau hierárquico, seja de bispo, presbítero ou diácono, não é apenas uma mudança de status para alguém, mas também, em certa medida, uma transição para outro nível de existência.
Na Igreja Ortodoxa, padres e bispos são considerados portadores da graça divina, como instrumentos por meio dos quais o próprio Deus atua. Ao receber a bênção de um padre, os fiéis beijam sua mão como se fosse a mão de Cristo, porque é pelo poder de Cristo que ele concede a bênção. Esse senso de santidade e dignidade no ministério sacerdotal é enfraquecido em algumas denominações cristãs. Em certas comunidades protestantes, a única diferença entre os leigos e o clero é que este último possui uma “licença para pregar”.
A VIDA MONÁSTICA
Na Igreja Ortodoxa, o rito da Tonsura Monástica tem caráter sacramental. É chamado de “sacramento” (“mistério”) por Dionísio, o Areopagita, e outros autores cristãos primitivos. Também é chamado de “sacramento” no próprio rito. Como o Batismo, é a morte para a vida carnal e o nascimento para um novo modo de existência espiritual. Como a Crisma, é o selo e o sinal de ser eleito por Deus. Como o Matrimônio, é o noivado com o Noivo Celestial, Cristo. Como o Sacerdócio, é uma consagração para o ministério a Deus. Como a Eucaristia, é a união com Cristo. Assim como no Batismo, na Tonsura Monástica a pessoa recebe um novo nome e tem seus pecados perdoados. Ela rejeita a vida pecaminosa e faz votos de fidelidade a Cristo; tira uma túnica secular e veste uma nova vestimenta. Ao nascer de novo, a pessoa assume novamente a infância para atingir “a medida da estatura completa de Cristo” (Ef 4:13).
O principal objetivo da vida monástica é a imitação de Cristo, cujo modo de vida, conforme descrito no Evangelho, era totalmente monástico. Ele não era casado, estava livre de amarras terrenas, não tinha teto sobre a cabeça, viajava de um lugar para outro, vivia na pobreza, jejuava e passava noites em oração. O monaquismo é uma tentativa de se aproximar o máximo possível desse ideal. É a busca pela santidade, a busca por Deus como objetivo final, a rejeição de tudo o que nos prende à terra e nos impede de ascender ao céu.
O monaquismo é um modo de vida incomum e excepcional: poucos são chamados a ele. É uma vida inteira e integralmente entregue a Deus. A renúncia monástica ao mundo não é um ódio à beleza do mundo ou aos prazeres da vida; é, antes, a renúncia aos pecados e paixões, aos desejos e luxúrias carnais, em suma, a tudo o que entrou na vida humana após a Queda. O objetivo do monaquismo é o retorno àquela castidade primordial e à impecabilidade que Adão e Eva possuíam no Paraíso. Os Padres da Igreja chamavam o monaquismo de “uma vida segundo o Evangelho” e “uma verdadeira filosofia”. Assim como os filósofos buscavam a perfeição pelos caminhos do conhecimento intelectual, os monges buscam a perfeição pelos caminhos da luta ascética, imitando Cristo.
Toda a filosofia do monaquismo está expressa nas seguintes palavras de Cristo: “Se queres ser perfeito, vai, vende tudo o que tens e dá-o aos pobres, e terás um tesouro no céu; e vem, segue-Me” (Mt 19,21); “Se alguém quer vir após Mim, negue-se a si mesmo, tome a sua cruz e siga-Me. Pois quem quiser salvar a sua vida, perdê-la-á; e quem perder a sua vida por Minha causa, achá-la-á” (Mt 16,24-25); “Quem ama o pai e a mãe mais do que a Mim não é digno de Mim” (Mt 10,37). O monaquismo é para aqueles que querem ser perfeitos, seguir a Cristo e dar a vida por Ele, vender tudo para ter um tesouro celestial. Como um comerciante que vai e vende todos os seus bens para comprar uma pérola, um monge está pronto a negar tudo no mundo para adquirir Cristo.
O monaquismo fez parte da vida da Igreja desde os primórdios, mas ganhou força no século IV, quando as perseguições cessaram. Enquanto durante os três primeiros séculos todos os adeptos do cristianismo eram mártires em potencial, no século IV a nova fé tornou-se virtualmente a religião oficial do Império Romano. Agora, a busca pelo martírio e pelo sacrifício levava as pessoas a desertos profundos, onde os ascetas criavam seu “estado dentro do estado”. Os desertos do Egito, Síria e Palestina, antes infrutíferos e sem vida, foram irrigados e povoados por monges.
Estes são três votos básicos feitos pelos monges: obediência, pobreza e castidade.
A obediência é uma negação deliberada da vontade própria diante de Deus, diante do Abade (Igumeno ou Superior) e diante de todos os membros da comunidade. A palavra grega hypakoe (‘obediência’) significa literalmente ‘ouvir’, ‘escutar’. A obediência monástica é ouvir o que Deus quer dizer a um monge, escutar a Sua vontade. Os humanos sofrem muito com a sua incapacidade de seguir a vontade de Deus e de aceitar o mundo à sua volta como ele é. As pessoas tendem sempre a pensar nas circunstâncias das suas vidas como menos do que desejáveis e nas pessoas próximas como menos do que perfeitas. Querem mudar o mundo à sua volta, mas, incapazes de o fazer, não encontram descanso, nem paz. Um monge, pelo contrário, ensina-se a aceitar tudo como é e a receber das mãos de Deus, com a mesma alegria e gratidão, tanto a consolação como o sofrimento, a saúde e a doença, a fortuna e o infortúnio. Com essa atitude, o monge obtém uma paz interior, imperturbável, que nenhuma circunstância externa pode estragar.
Pobreza é a rejeição deliberada de todos os bens terrenos. Isso não significa necessariamente que um monge seja totalmente privado de todas as coisas materiais: significa que ele não deve se apegar a nada terreno. Tendo rejeitado interiormente a riqueza material, ele alcança aquela liberdade espiritual que é superior a qualquer bem terreno.
A palavra “castidade” é usada em português para traduzir o grego sophrosyne, que significa literalmente “sabedoria”, “integridade”. Castidade não é sinônimo de celibato: no monaquismo, este último é apenas um elemento do primeiro. A castidade como sabedoria e integridade, como vida segundo o Evangelho e abstinência de paixões e luxúrias, também é necessária no matrimônio. Viver em castidade significa ter toda a vida orientada para Deus, verificar cada pensamento, palavra e ação de acordo com os padrões do Evangelho.
No que diz respeito ao celibato, no contexto da vida monástica, trata-se de uma forma sobrenatural de existência. A solidão é uma incompletude, uma deficiência: no matrimônio, ela é superada por meio de uma vida em comum com o cônjuge. Os monges são desposados pelo próprio Deus. O monaquismo, portanto, não é o oposto do casamento. Pelo contrário, é também uma espécie de união conjugal, mas não entre dois seres humanos: é uma união da pessoa humana com Deus. O amor está no cerne tanto do matrimônio quanto do monaquismo, mas o objeto do amor é diferente. Uma pessoa não pode se tornar monge a menos que seu amor a Deus seja tão profundo e ardente que não queira direcioná-lo a ninguém além d´Ele.
A tonsura monástica ocorre na igreja: normalmente é conduzida por um bispo ou abade. O a ser tonsurado tira todas as suas vestes civis, veste uma longa túnica branca e fica diante do abade. Ao fazer os votos monásticos, ele ouve as exortações do abade, após o que recebe um novo nome, é tonsurado e revestido com vestes monásticas pretas. Terminado o rito, cada membro da comunidade se aproxima dele e pergunta: “Qual é o seu nome, irmão?”. O monge recém-tonsurado, segundo a tradição, passa várias noites na igreja lendo o Saltério ou o Evangelho.
O monasticismo é uma vida interior e oculta. É absoluto e a expressão mais radical do cristianismo como um “caminho estreito” que conduz ao Reino dos Céus. O desapego monástico e a concentração em si mesmo, contudo, não implicam egoísmo ou ausência de amor ao próximo. Estando fora da vaidade mundana, um monge não se esquece dos seus semelhantes, mas no silêncio da sua cela reza por eles.
Os Padres da Igreja compreenderam que a transfiguração do mundo e a felicidade das pessoas dependem não tanto das circunstâncias externas, mas da condição interior das pessoas. A verdadeira renovação do mundo só é possível no âmbito da vida espiritual. Assim, nem Cristo, nem os apóstolos, nem os Padres da Igreja exigiram mudanças sociais; em vez disso, todos eles apelaram à transformação espiritual interior de cada ser humano em particular. Os monges não tentam tornar o mundo melhor. Eles tentam tornar-se melhores para que o mundo possa ser transformado a partir de dentro. “Salva-te a ti mesmo, e milhares ao teu redor serão salvos”, diz São Serafim de Sarov. Essas palavras refletem o objetivo final do monaquismo e do Cristianismo em geral. É desnecessário dizer que o monaquismo não é a única maneira de “salvar a si mesmo”, nem mesmo a melhor ou mais conveniente. É um dos caminhos, como o casamento ou o sacerdócio, que pode levar alguém à salvação e à deificação, se prosseguir nesse caminho até o fim.
Metropolita Hilarion (Alfeyev)
tradução de monja Rebeca (Pereira)







