CATEQUESES DO METROPOLITA HILARION (ALFEYEV) – PARTE 17

UMA VIDA NOS SACRAMENTOS

A Teologia Ortodoxa considera os Sacramentos como ações sagradas por meio das quais se realiza o encontro entre Deus e a pessoa humana. Neles, realiza-se a nossa união com Deus, na medida em que é possível nesta vida terrena; a graça de Deus desce sobre nós e santifica toda a nossa natureza, tanto a alma como o corpo. Os Sacramentos nos levam à comunhão com a natureza divina, animando-nos, deificando-nos e restaurando-nos à vida eterna.

Nos sacramentos, experimentamos o céu e um antegozo do Reino de Deus, aquele Reino do qual só podemos tornar-nos plenamente parte, entrar e viver, após a nossa morte.

A palavra grega mysterion (‘sacramento’ ou ‘mistério’) vem do verbo myo (‘cobrir’, ‘ocultar’). Esta palavra foi investida com um significado mais amplo pelos Padres da Igreja: a Encarnação de Cristo foi chamada de ‘sacramento’, Seu ministério salvífico, Seu nascimento, morte, Ressurreição e outros eventos de Sua vida, a própria fé cristã, doutrina, dogma, culto, oração, dias festivos da Igreja, os símbolos sagrados, e assim por diante. Das ações sagradas, o Batismo e a Eucaristia foram preeminentemente chamados de Sacramentos.

Dionísio, o Areopagita, falou de três Sacramentos: Batismo, Crisma e Eucaristia; enquanto os ritos de consagração clerical, tonsura de um monge e sepultamento também foram listados entre os sacramentos.

Seguindo a mesma ordem, São Teodoro, o Studita (século IX), referiu-se a seis Sacramentos: a Iluminação (Batismo), a Sinaxe (Eucaristia), o Crisma, o Sacerdócio, a Tonsura Monástica e o Rito Fúnebre.

São Gregório Palamas (século XIV) enfatizou a centralidade dos dois sacramentos do Batismo e da Eucaristia, enquanto São Nicolau Cabasilas (século XV), em seu livro “A Vida em Cristo”, comenta os três Sacramentos: Batismo, Crisma e Eucaristia.

Atualmente, a Igreja Ortodoxa considera o Batismo, a Eucaristia, a Crisma, a Penitência, a Santa Unção, o Matrimônio e o Sacerdócio como Sacramentos; todas as outras ações sagradas são listadas como rituais. No entanto, deve-se ter em mente que a prática de numerar os sacramentos foi emprestada da escolástica latina; daí também a distinção feita entre “sacramentos” e “rituais”. O pensamento patrístico oriental do primeiro milênio não se preocupava com o número de sacramentos e nunca sentiu a necessidade de enumerá-los.

Em cada Sacramento, há aspectos visíveis e invisíveis. O primeiro consiste no rito, isto é, nas palavras e ações dos participantes, e na “substância material” do Sacramento (água no Batismo, pão e vinho na Eucaristia). O último é, de fato, a transfiguração espiritual e o renascimento da pessoa por cuja causa o rito é realizado. É principalmente esse aspecto invisível, oculto à vista e à audição, além da mente e além da percepção sensorial, que é o “mistério”. No Sacramento, porém, o corpo da pessoa humana também é transfigurado e revivido junto com a alma. O Sacramento não é apenas uma Comunhão espiritual, mas também corporal com os dons do Espírito Santo. A pessoa humana entra no mistério divino com todo o seu ser, sua alma e corpo são imersos em Deus, pois o corpo também está destinado à salvação e à deificação. É nesse sentido que entendemos a imersão na água, a unção com óleo sagrado e mirra no Batismo, a degustação do pão e do vinho na Eucaristia. Na era vindoura, a “substância material” do Sacramento não será mais necessária, e a pessoa humana não mais participará do Corpo e do Sangue de Cristo na forma de pão e vinho. Em vez disso, comunicar-se-á diretamente com Cristo. “Concede-nos que possamos ter comunhão mais verdadeiramente con´Tigo no dia do Teu Reino, que não conhece ocaso”, ora a Igreja.

O autor de todos os Sacramentos é o próprio Deus. Portanto, não é o sacerdote, mas o Próprio Deus Quem realiza cada Sacramento. Como diz Santo Ambrósio de Milão: “Não é Damásio, nem Pedro, nem Ambrósio, nem Gregório quem batiza. Cumprimos o nosso ministério de servos, mas a validade dos Sacramentos depende de Ti. Não está ao alcance do homem comunicar os benefícios divinos — é Teu dom, ó Senhor”.

BATISMO

O Sacramento do Batismo é a porta de entrada para a Igreja, o Reino da graça. É com o Batismo que a vida cristã começa. O Batismo é a fronteira que separa os membros do Corpo de Cristo daqueles que estão fora dele. No Batismo, a pessoa humana é revestida de Cristo, seguindo as palavras de São Paulo, cantadas enquanto o recém-batizado é conduzido ao redor da pia batismal: “Pois todos quantos fostes batizados em Cristo vos revestistes de Cristo” (Gálatas 3:27). No Batismo, a pessoa humana morre para sua vida pecaminosa e ressuscita para uma nova vida espiritual.

O Sacramento do Batismo foi instituído pelo próprio Cristo: “Ide, portanto, fazei discípulos de todas as nações, batizando-os em Nome do Pai, do Filho e do Espírito Santo” (Mt 28,19). O mandamento de Cristo já contém os elementos básicos do rito batismal: o ensino preliminar (“catequização”), sem o qual a adoção da fé não pode ser consciente; a imersão em água (do grego baptismos, literalmente “imersão”); e a fórmula “em Nome do Pai, do Filho e do Espírito Santo”. Na Igreja primitiva, o Batismo era realizado por imersão completa em água. No entanto, em tempos remotos, piscinas especiais (batistérios) foram construídas e nelas os candidatos ao batismo eram mergulhados. A prática de derramar água sobre a pessoa ou aspergi-la com água existia na Igreja primitiva, embora não fosse exatamente uma norma.

Na época de Constantino (século IV), o Batismo de adultos era mais comum do que o Batismo de crianças, com ênfase na aceitação consciente do Sacramento. Alguns adiaram o Sacramento até o fim da vida, sabendo que os pecados eram perdoados no Batismo. O Imperador Constantino foi batizado pouco antes de sua morte. São Gregório, o Teólogo, filho de um bispo, foi batizado somente quando atingiu a maturidade. Os Santos Basílio o Grande e João Crisóstomo foram batizados somente após concluírem seus estudos superiores.

No entanto, a prática de batizar crianças não é menos antiga — os apóstolos batizavam famílias inteiras, o que poderia muito bem incluir crianças (cf. Atos 10:48). Santo Irineu de Lyon (século II) diz: “Cristo veio para salvar aqueles que por Ele renascem em Deus: bebês, crianças, adolescentes e idosos”. Orígenes, no século III, chama o costume de batizar crianças de “tradição apostólica”. O Concílio local de Cartago (século III) pronunciou um anátema sobre aqueles que rejeitavam a necessidade de batizar crianças e recém-nascidos.

O Sacramento do Batismo, como todos os outros Sacramentos, deve ser recebido conscientemente. A fé cristã é o pré-requisito para a validade do Sacramento. Se uma criança é batizada, a confissão de fé é pronunciada solenemente por seus padrinhos, que, portanto, são obrigados a educar a criança na fé e tornar seu

Batismo consciente. Uma criança que recebe o Sacramento não consegue compreender racionalmente o que lhe acontece, mas sua alma é plenamente capaz de receber a graça do Espírito Santo. “Creio”, escreve São Simeão, o Novo Teólogo, “que as crianças batizadas são santificadas e preservadas sob a asa do Espírito Santo e que são cordeiros do rebanho espiritual de Cristo e cordeiros escolhidos, pois foram marcados com o sinal da Cruz vivificante e completamente libertos da tirania do demônio”. A graça de Deus é concedida às crianças como penhor de sua fé futura, como uma semente lançada à terra: para que a semente cresça e se torne uma árvore e dê frutos, são necessários os esforços tanto dos padrinhos quanto do próprio batizado, à medida que cresce.

Imediatamente após o Batismo ou nos dias seguintes, o recém-batizado, independentemente da idade, recebe a Sagrada Comunhão. Na Igreja Católica Romana, a Crisma (Confirmação) e a Primeira Comunhão ocorrem após a criança completar sete anos de idade, mas a Igreja Ortodoxa admite crianças a esses Sacramentos o mais cedo possível. O entendimento por trás dessa prática é que as crianças não devem ser privadas de um contato vivo, mesmo que não totalmente consciente, com Cristo.

O Sacramento do Batismo ocorre apenas uma vez na vida de uma pessoa. No Batismo, a pessoa humana recebe a libertação do pecado original e o perdão de todas as suas transgressões pessoais. No entanto, o Batismo é apenas o primeiro passo na ascensão da pessoa humana em direção a Deus. Se não for acompanhado por uma renovação de toda a vida e uma regeneração espiritual, pode ser infrutífero. A graça de Deus, recebida no Batismo como penhor ou como semente, crescerá dentro da pessoa e se manifestará por toda a sua vida, desde que ela se esforce para alcançar Cristo, viva na Igreja e cumpra os mandamentos de Deus.

CRISMA

O Sacramento do Crisma foi estabelecido nos tempos apostólicos. Na Igreja primitiva, todo cristão recém-batizado recebia uma bênção e o dom do Espírito Santo por meio da imposição das mãos por um apóstolo ou bispo. O Livro de Atos relata como Pedro e João impuseram as mãos sobre mulheres da Samaria para que recebessem o Espírito Santo, “pois sobre nenhuma delas ainda havia descido, mas somente haviam sido batizadas em Nome do Senhor Jesus” (Atos 8:16). Nos tempos apostólicos, a descida do Espírito Santo era ocasionalmente acompanhada por manifestações visíveis e tangíveis da graça: como os apóstolos no Pentecostes, as pessoas começavam a falar em línguas desconhecidas, a profetizar e a realizar milagres.

A imposição de mãos era uma continuação do Pentecostes, pois comunicava os dons do Espírito Santo. Em tempos posteriores, em virtude do aumento do número de cristãos, tornou-se impossível para todos encontrarem um bispo; assim, a imposição de mãos foi substituída pela Crisma. Na Igreja Ortodoxa, a Crisma é administrada por um padre, mas a mirra é preparada por um bispo. A mirra é fervida a partir de vários elementos. Na prática contemporânea, apenas o chefe de uma Igreja Autocéfala (o Patriarca, o Metropolita ou o Arcebispo) tem o direito de consagrar a mirra, transmitindo assim a bênção episcopal a todos aqueles que se tornam membros da Igreja.

Nas Epístolas, o dom do Espírito Santo é às vezes chamado de “unção” (1 João 2:20; 2 Coríntios 1:21). No Antigo Testamento, os reis eram nomeados para o seu reino por meio da unção. A ordenação ao ministério sacerdotal também era realizada por meio da crisma. No entanto, no Novo Testamento não há divisão entre os “consagrados” e os “outros”: no Reino de Cristo todos são “reis e sacerdotes” (Ap 1:6); uma “raça escolhida”; “povo próprio de Deus” (1 Pedro 2:9); portanto, a unção é dada a cada cristão.

Por meio da unção, recebemos o “selo do dom do Espírito Santo”. Como explica o Padre Alexander Schmemann, este não é o mesmo que os vários “dons” do Espírito Santo, mas o próprio Espírito Santo, que é comunicado à pessoa como um dom. Cristo falou deste dom aos discípulos na Última Ceia: “E eu rogarei ao Pai, e Ele vos dará outro Consolador, para que fique convosco para sempre, o Espírito da Verdade” (João 14:16-17). Ele também disse sobre o Espírito: “É para vós proveitoso que Eu vá, porque se Eu não for, o Consolador não virá a vós outros; mas se Eu for, Eu o enviarei a vós” (João 16:7). A morte de Cristo na cruz tornou possível a concessão do Espírito Santo a nós. E é em Cristo que nos tornamos reis, sacerdotes e “cristos” (ungidos), não recebendo nem o sacerdócio de Aarão do Antigo Testamento, nem o reino de Saul, nem a unção de David, mas o sacerdócio do Novo Testamento e o Reino de Cristo. Por meio da Crisma, tornamo-nos filhos de Deus, pois o Espírito Santo é a “graça da adoção como filhos”.

Assim como a graça do Batismo, o dom do Espírito Santo, recebido na Crisma, não deve ser passivamente aceito, mas ativamente assimilado. Foi nesse sentido que São Serafim de Sarov disse que o objetivo da vida cristã é a “aquisição do Espírito Santo”. O Espírito Divino nos é dado como penhor, mas ainda precisamos adquiri-Lo, torná-Lo nosso. O Espírito Santo deve produzir fruto em nós. “Mas o fruto do Espírito é: amor, alegria, paz, longanimidade, benignidade, bondade, fidelidade, mansidão, domínio próprio… Se vivemos pelo Espírito, andemos também pelo Espírito” (Gl 5,22; 25). Todos os Sacramentos têm significado e são para a nossa salvação somente quando a vida do cristão está em harmonia com o dom que recebeu.


Metropolita Hilarion (Alfeyev)
tradução de monja Rebeca (Pereira)

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Aurora Ortodoxia

Aurora Ortodoxia é um labor online missionário de cristãos ortodoxos brasileiros de distintas jurisdições canônicas, dedicado ao aprofundamento e iluminação daqueles que se interessam em conhecer a Fé Ortodoxa por meio da experiëncia da Santa Tradição.

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