O TEMPO DA IGREJA
A Igreja existe na terra, mas, ao mesmo tempo, está voltada para o céu; a Igreja vive no tempo, mas respira eternidade. Essa experiência de comunhão com a eternidade forma a base do calendário eclesiástico e do ciclo de culto ao longo do ano, da semana e do dia. É no ano que a Igreja recorda e experimenta toda a história do mundo e da pessoa humana, toda a “economia” da salvação da raça humana. No ciclo anual de festas, passa diante de nós a vida de Cristo, desde o Seu Nascimento na carnea até Sua Crucificação e Ressurreição; a vida da Mãe de Deus, desde a Sua Concepção até a Sua Dormição; e as vidas dos santos glorificados pela Igreja. No âmbito de uma semana e de um único dia, toda a história da salvação da humanidade também é renovada e relembrada no culto. Cada ciclo tem seu centro para o qual se dirige: o centro do ciclo diário é a Eucaristia, o centro do ciclo semanal é o domingo e o centro do ciclo anual de celebrações é a Ressurreição de Cristo, a Páscoa.
A Ressurreição de Cristo é o evento principal e definidor da história da fé cristã: “Se Cristo não ressuscitou, é vã a nossa pregação, e vã é a vossa fé” (1 Coríntios 15:14). Se Cristo não tivesse ressuscitado, o Cristianismo teria permanecido apenas como um dos muitos ensinamentos morais e perspectivas religiosas, ao lado do Budismo ou do Islamismo. A Ressurreição de Cristo instituiu a Igreja como uma nova vida, uma nova existência divino-humana na qual a pessoa humana se torna deus porque Deus Se tornou uma pessoa humana. Desde o início da existência da Igreja, a festa da Ressurreição de Cristo tornou-se a pedra fundamental do calendário cristão.
As festas da Igreja não são meras recordações de eventos ocorridos no passado distante: elas nos tornam parte da realidade espiritual por trás delas, que tem um significado atemporal e fixo para todos nós. Cada cristão recebe Cristo como seu Salvador pessoal, que Se encarnou por ele pessoalmente. Portanto, todos os eventos da vida de Cristo se tornam a experiência pessoal de cada cristão. A festa é uma atualização contemporânea de um evento que ocorreu uma vez no tempo, mas que está sempre acontecendo fora do tempo. Na festa do Natal, ouvimos na igreja: “Hoje Cristo nasceu em Belém”; na Epifania, “Hoje a natureza das águas é santificada”; e na Páscoa, “Hoje Cristo venceu a morte e ressuscitou do túmulo”. Se as pessoas que não são da Igreja vivem com reminiscências de um passado já irrecuperável ou com esperança em um futuro desconhecido, na Igreja elas são chamadas a viver pelo sempre presente “hoje”, que é a realidade da comunhão cotidiana com Deus.
A festa da Ressurreição de Cristo, embora ocorra apenas uma vez por ano, permeia todo o ano litúrgico. O esplendor da Páscoa se reflete em todo o ciclo de culto. A Páscoa não é simplesmente uma data do calendário. Para o cristão, a Páscoa está sempre presente como uma comunhão com Cristo ressuscitado. São Serafim de Sarov, durante todo o ano, saudava a todos que se aproximavam dele com a saudação pascal: “Cristo ressuscitou!”. Conta-se de um antigo eremita, que permanecia em oração incessante e era famoso por sua santidade, que, quando um discípulo se aproximou dele com comida e disse: “Ancião, hoje é Páscoa!”, respondeu: “É mesmo?”. É claro que nem São Serafim, para quem todos os dias eram Páscoa, nem o eremita, que desconhecia sua data precisa, negavam o calendário da Igreja. Mas ambos viviam por sua experiência da eternidade e sabiam que a Páscoa não era um único dia do ano, mas uma realidade eterna da qual participavam diariamente.
O ciclo anual de dias festivos é, por assim dizer, um reflexo da eternidade no tempo. O tempo da Igreja é um ícone da eternidade. Assim como em um ícone uma realidade espiritual atemporal se reflete em cores materiais, no calendário da Igreja as realidades da vida eterna se refletem nas datas do calendário secular. Assim como um ícone encerra a energia e a presença daquele que nele está representado, o tempo eclesiástico é repleto de energia eterna e da presença de Cristo, a Mãe de Deus, dos anjos e santos, cujas memórias são comemoradas ao longo do ano.
Metropolita Hilarion (Alfeyev)
tradução de monja Rebeca (Pereira)








