CATEQUESES DO METROPOLITA HILARION (ALFEYEV) – PARTE 14

A MÃE DE DEUS E OS SANTOS

Podemos julgar a atitude da Igreja em relação às mulheres pela alta posição concedida à Santíssima Mãe de Deus. A Igreja A glorifica mais do que todos os santos e até mais do que os anjos. Ela é louvada em hinos como “mais venerável que os Querubins e incomparavelmente mais gloriosa que os Serafins”. A Santíssima Virgem é a Mãe de Cristo e Mãe da Igreja — é em Sua pessoa que a Igreja glorifica a maternidade. A maternidade é parte integrante da dignidade da mulher, e pode-se notar que as igrejas protestantes que confiaram às mulheres a celebração da Eucaristia e outras funções sacerdotais não veneram a Mãe de Deus nem rezam a Ela. No entanto, a comunidade eclesial privada da Mãe de Deus perde sua plenitude, da mesma forma que uma comunidade privada do sacerdócio não é uma Igreja completa. Se a paternidade se realiza na pessoa da hierarquia — o episcopado e o sacerdócio — então a maternidade é personificada na Igreja na Santíssima Mãe de Deus.

A Igreja Ortodoxa magnifica a Mãe de Deus como Sempre Virgem (aeiparthenos). Este termo foi confirmado pelo Quinto Concílio Ecumênico em 533 e enfatiza a virgindade da Mãe de Deus antes, durante e depois do Nascimento de Cristo. Ela também é chamada de Santíssima, Puríssima e Imaculada. A Igreja Ortodoxa segue a tradição da Igreja primitiva ao acreditar que a Santíssima Virgem, após Sua morte, ressuscitou ao terceiro dia e foi elevada corporalmente ao céu, como Cristo e os santos Enoc e Elias, do Antigo Testamento.

Pouco se diz nas Sagradas Escrituras sobre a Santíssima Virgem: seu lugar no Novo Testamento é muito modesto, especialmente se o compararmos com o lugar que Ela ocupa na vida da Igreja. A veneração da Mãe de Deus na Igreja Ortodoxa baseia-se não tanto nas Escrituras, mas na experiência secular de muitas pessoas a quem, de uma forma ou de outra, o mistério da Santíssima Virgem foi revelado.

A Mãe de Deus está à frente da multidão de santos glorificados pela Igreja. A veneração dos santos e as orações a eles dirigidas constituem uma antiga tradição da Igreja, preservada desde os tempos apostólicos. As acusações de que a Igreja venera as pessoas no mesmo nível de Deus, violando assim o mandamento “Adorarás o Senhor teu Deus e só a Ele servirás”, são injustas. A teologia grega faz uma distinção clara entre a adoração (latreia) a Deus e a veneração (proskynesis) aos santos. Estes últimos são venerados não como deuses, mas como pessoas que atingiram uma altura espiritual e que se uniram a Deus. Os santos estão intimamente ligados uns aos outros e a Cristo. Ao venerar os santos, veneramos Cristo, que vive neles.

A aceitação oficial entre os santos, ou canonização, é um fenômeno relativamente tardio: não havia atos de canonização ou glorificação na Igreja Cristã primitiva. Um mártir que sofresse por Cristo logo após sua morte se tornaria objeto de veneração reverente pelos fiéis; eles rezavam para ele e celebravam a Sagrada Liturgia em seu túmulo. Até hoje, existe uma regra na Igreja Ortodoxa segundo a qual a Liturgia é celebrada sobre as relíquias do mártir ou de um santo. Isso enfatiza o elo entre a Igreja na Terra hoje, composta de pessoas vivas, e a Igreja triunfante no céu, composta de santos glorificados por Deus. Também mostra como os mártires são a base e o fundamento da Igreja. “O sangue dos mártires é a semente do Cristianismo”, segundo Tertuliano.

A veneração de um santo em particular não resulta do ato de canonização. Na verdade, o inverso é verdadeiro: a canonização ocorre como resultado da veneração popular de um santo. Há santos sobre cujas vidas quase nada se sabe, e ainda assim sua veneração é universal. Um bom exemplo é São Nicolau, Arcebispo de Mira, na Lícia (século IV). Ele é glorificado por cristãos tanto da Igreja Oriental quanto da Ocidental, e é amado por crianças e adultos (o Natal no Ocidente seria impensável sem a visita do Papai Noel em casa e a entrega de presentes). Até mesmo os não cristãos que rezam a São Nicolau recebem sua ajuda. Essa veneração universal pelo santo está enraizada na experiência de muitas gerações: ele se tornou o “amigo pessoal” de milhares de pessoas que ajudou e salvou da morte.

Algumas pessoas têm dificuldade em compreender por que é necessário rezar aos santos quando Cristo está presente. No entanto, os santos não são tanto mediadores entre nós e Cristo: são, antes, nossos amigos celestiais, capazes de nos ouvir e nos ajudar por meio de suas orações. Alguém que não tem amigos no céu não consegue compreender adequadamente essa veneração reverente que envolve os santos na Igreja Ortodoxa. Deve-se dizer, portanto, que as comunidades cristãs que não têm comunhão direta e viva com os santos não podem experimentar plenamente a plenitude da Igreja como Corpo místico de Cristo que une os vivos e os mortos, os santos e os pecadores.

OS ÍCONES SAGRADOS

Na tradição ortodoxa, o ícone não é meramente um adorno no edifício da igreja ou um objeto a ser usado no culto: as pessoas rezam diante dele, beijam-no e o tratam como um objeto sagrado.

Apesar da existência de ícones desde a antiguidade distante, em vários momentos houve tendências contrárias à veneração de ícones. Nos séculos VII e VIII, essas tendências culminaram na heresia iconoclasta, condenada no Sétimo Concílio Ecumênico. A acusação perene dos iconoclastas contra os veneradores de ícones era a de idolatria. O argumento básico era a proibição do Antigo Testamento de representar Deus: “Não farás para ti imagem de escultura, nem semelhança alguma do que há em cima nos céus, nem em baixo na terra, nem nas águas debaixo da terra; não te prostrarás diante delas, nem as servirás; porque Eu, o Senhor teu Deus, sou Deus zeloso” (Êxodo 20:4-5). É óbvio, no entanto, que as palavras citadas são dirigidas aos ídolos dos povos pagãos que os adoravam.

O Novo Testamento é a revelação de Deus que Se fez homem e que podia ser visto pelas pessoas. O que é invisível não pode ser retratado em imagens, enquanto o que é visível pode ser retratado, pois não é mais produto da fantasia, mas sim realidade. São João Damasceno nos apresenta a noção de que a proibição do Antigo Testamento de representar o Deus invisível aponta para a possibilidade de representá-Lo quando Ele Se tornar visível: “É óbvio que, quando contemplais Deus Se tornando homem, então podeis representá-Lo revestido de forma humana. Quando o Invisível Se torna visível à carne, podeis então desenhar a Sua semelhança… Usar todo tipo de desenho, palavra ou cor”.

A heresia iconoclasta do século VIII foi uma continuação das heresias cristológicas discutidas em Concílios Ecumênicos anteriores. A defesa dos ícones tornou-se uma defesa da crença na Encarnação de Cristo, pois a iconoclastia era uma das formas de negar a realidade dessa Encarnação. Para os ortodoxos, o ícone não é um ídolo que substitui o Deus invisível, mas um símbolo e sinal de Sua presença na Igreja. Os Padres do Sétimo Concílio Ecumênico concordaram com São Basílio o Grande ao afirmar que “a honra prestada à imagem passa para o Protótipo”. O Concílio insistiu que, ao se curvar diante do ícone, o cristão não adora a madeira e as cores, mas sim Aquele que está representado na madeira — Cristo, a Virgem Santa, os Santos. Portanto, não há nada em comum entre a idolatria e a veneração dos ícones. O ícone não é algo que se coloca diante da pessoa humana como objeto único e autossuficiente de adoração. Não é sequer algo colocado entre a pessoa e Deus.

Para usar a expressão do Padre Paul Florensky, o ícone é uma janela para o outro mundo: através do ícone, a pessoa humana entra em contato direto com o mundo espiritual e com aqueles que nele vivem.

A CRUZ

A Santa Cruz tem um significado particular para a Igreja. Instrumento de morte, tornou-se instrumento de salvação. São Basílio o Grande identifica o “sinal do Filho do Homem” mencionado por Cristo em conexão com Sua Segunda Vinda (Mt 24,30) com os braços da Cruz apontando para os quatro cantos do universo. A Cruz é um símbolo do próprio Cristo e está imbuída de poder milagroso. A Igreja Ortodoxa acredita que a energia de Cristo está presente na Cruz. Portanto, os cristãos não apenas fazem cruzes e as colocam no mesmo nível dos ícones nas igrejas; eles também usam cruzes no peito, fazem o sinal da Cruz sobre si mesmos e se abençoam mutuamente com o sinal da Cruz. Eles até se dirigem à Cruz como algo capaz de ouvi-los: “Rejubila-(te), Cruz vivificante”, “Ó Cruz venerável e vivificante do Senhor”.

A Igreja conhece o poder milagroso, salvífico e curativo da Cruz e do sinal da Cruz por sua experiência secular. A Cruz protege quem viaja, trabalha, dorme, reza. De fato, em todos os lugares, através do sinal da Cruz, a bênção de Cristo desce sobre cada boa ação que realizamos: “A Cruz é a protetora do mundo inteiro, a Cruz é a beleza da Igreja, a Cruz é o poder dos reis, a Cruz é o fundamento dos fiéis, a Cruz é a glória dos anjos e a chaga dos demônios”, canta a Igreja nas festas da Cruz.

O ensinamento sobre a Santa Cruz como símbolo da dispensação divina e como objeto de veneração religiosa é exposto por Santo Isaac, o Sírio, em uma de suas obras recém-descobertas. Segundo Santo Isaac, o poder da Cruz não difere daquele pelo qual os mundos surgiram e que governa toda a criação de acordo com a vontade de Deus. Na Cruz, vive o mesmo poder que vivia na Arca da Aliança, ela própria cercada de veneração temerosa por parte do povo de Israel. A Arca era venerada, ele responde, porque nela habitava a Shekhina (Presença) invisível de Deus. A mesma Shekhina agora reside na Cruz: ela partiu da Arca do Antigo Testamento e entrou na Cruz do Novo Testamento.

A Cruz material, cujo tipo era a Arca da Aliança, é, por sua vez, o tipo do Reino escatológico de Cristo, afirma Santo Isaac. A Cruz, por assim dizer, liga o Antigo Testamento ao Novo, e o Novo Testamento à era vindoura, onde todos os símbolos e tipos materiais serão abolidos.


Metropolita Hilarion (Alfeyev)
tradução de monja Rebeca (Pereira)

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Aurora Ortodoxia

Aurora Ortodoxia é um labor online missionário de cristãos ortodoxos brasileiros de distintas jurisdições canônicas, dedicado ao aprofundamento e iluminação daqueles que se interessam em conhecer a Fé Ortodoxa por meio da experiëncia da Santa Tradição.

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