A espiritualidade da Igreja Ortodoxa ensina que o coração humano cria o ambiente onde a alma vive. As escolhas, os desejos e as intenções moldam o que somos diante de Deus e as relações que cultivamos. Pessoas que buscam a verdade acabam atraindo outras que caminham na mesma direção. Do mesmo modo, quando o coração se entrega ao orgulho, à mentira e à violência, tende a se unir com quem alimenta as mesmas trevas. Para além da afinidade psicológica, existe uma realidade espiritual.
As Escrituras mostram esse princípio muitas vezes.
1. Abraão e os três visitantes
Abraão vivia numa atitude de hospitalidade, humildade e abertura para Deus. Por isso recebeu os três visitantes, que a Tradição reconhece como a manifestação do próprio Deus. Ele os acolheu com pureza de intenção, e foi visitado pela Presença divina. O coração aberto atrai a graça. Abraão é um exemplo de como a alma que busca o bem encontra visitas celestes, porque vive no clima interior da comunhão com Deus.
2. David e Jônatas
A amizade entre David e Jônatas mostra como almas boas se reconhecem. Jônatas, mesmo sendo herdeiro do trono, viu em David o amor a Deus, a simplicidade e a coragem. Não havia competição, mas respeito. O texto diz que “a alma de Jônatas se ligou à alma de David”. A afinidade não era apenas emocional, mas espiritual. Ambos desejavam agradar a Deus acima de tudo. Assim, o bem gera comunhão.
3. O rei Saul e o espírito de inveja
Saul é o contraste. Ao se fechar para Deus, caiu na inveja, na insegurança e na violência. Isso atraiu para perto dele conselheiros que alimentavam o medo e a desconfiança. As trevas chamam trevas. A alma que se afasta da graça acaba se rodeando de influências que reforçam seu desvio. Saul perdeu a paz porque se uniu às intenções que carregava: suspeita, ciúme, orgulho.
4. Herodes, Herodias e João Batista
No Novo Testamento, vemos Herodes ligado a Herodias, formando uma união que gerou perseguição, manipulação e, por fim, o martírio de João Batista. Herodes até tinha algum temor de Deus, mas suas intenções divididas o afastaram da verdade. Ele se uniu a quem alimentava seus desejos desordenados. O ambiente espiritual ao redor dele expressava o que já estava dentro de sua alma.
5. Os Apóstolos e Cristo
Os discípulos que seguiram Cristo tinham limitações, mas queriam a verdade. Essa intenção sincera permitiu que suas almas fossem educadas pela luz. Mesmo antes de compreender tudo, aproximaram-se d’Aquele que é a Verdade. A alma que busca Deus encontra Deus, porque Deus Se deixa encontrar por quem O deseja.
6. Judas e os chefes do Sinédrio
Judas também caminhou nesse princípio. Depois de entregar seu coração à cobiça e à decepção, uniu-se aos chefes religiosos que buscavam motivos para matar Jesus. As intenções dele se encaixaram nas intenções deles. A escuridão interior atraiu a escuridão exterior. No fim, o peso dessa escolha o destruiu.
Os Padres da Igreja afirmam que o coração humano é como um ímã espiritual. Santo Antônio o Grande dizia que “o homem se torna aquilo que contempla”. Se busca a luz, une-se aos santos. Se busca paixões, une-se a quem vive segundo elas. Na vida eterna é a mesma lógica: a alma se dirige naturalmente ao lugar que corresponde ao seu estado interior. O dogma da comunhão dos santos mostra o fruto de corações que escolheram Deus. Já a companhia dos demônios não é uma punição arbitrária, mas a consequência de ter amado aquilo que eles amam.
As almas se encontram conforme aquilo que carregam por dentro. Boas almas se reconhecem, se fortalecem e caminham juntas rumo ao Reino. Más almas se atraem e se prendem umas às outras na mesma escuridão. Cada encontro humano tem um componente espiritual que reflete nossas escolhas profundas.
Por isso a Igreja nos chama a vigiar o coração: purificar as intenções, pedir discernimento, cultivar a oração e a humildade. Quando o interior se volta para a luz, a própria vida se enche de encontros que vêm de Deus. Quando Deus une duas almas, essa união se torna lugar de salvação.
01.12.2025
+ Bispo Theodore El Ghandour
