Na história da salvação, Deus sempre chamou pessoas comuns para realizar obras extraordinárias. Ele escolheu homens e mulheres dispostos a romper com o comodismo, com as tradições humanas e, sobretudo, com o espírito deste mundo. Entre esses escolhidos estão Abraão e Gideão, dois nomes que marcam momentos decisivos na história do povo de Deus.
Abraão é o primeiro grande exemplo de ruptura espiritual. Quando Deus o chamou, ele vivia em Ur dos Caldeus, uma terra de idolatria e segurança material. O Senhor o convidou a deixar tudo: “Sai da tua terra, da tua parentela e da casa de teu pai, e vai para a terra que te mostrarei” (Gn 12:1).
Essa ordem divina significou, mais que um deslocamento geográfico, uma ruptura interior. Abraão rompeu com os deuses falsos, com as certezas humanas e com a cultura que o cercava, para se lançar em um caminho de fé pura. Ele não sabia para onde ia, mas sabia em Quem cria. E essa fé o tornou o “pai de todos os crentes”.
A verdadeira fé exige rupturas. Exige coragem para deixar o que é confortável e seguro para seguir a voz de Deus, mesmo quando ela parece irracional. Abraão abriu caminho para uma história de obediência e confiança total: um caminho que conduz à verdadeira aliança com Deus.
Séculos depois, Deus levantou outro homem em tempos difíceis: Gideão. O povo de Israel estava oprimido pelos midianitas, vivendo escondido, humilhado e desanimado. Quando o anjo do Senhor apareceu a Gideão, ele o chamou de “valente guerreiro” (Jz 6:12) — embora Gideão se visse pequeno e incapaz.
Deus, então, o conduziu por um processo de ruptura semelhante ao de Abraão: ruptura com o medo, com a dúvida e com os ídolos. Gideão destruiu o altar de Baal que estava na casa de seu pai, um ato de coragem espiritual. Essa destruição marcou o início da libertação de Israel.
Mas a maior lição veio na preparação para a guerra. Gideão reuniu um exército de 32 mil homens, mas Deus disse que eram muitos. Aos poucos, o Senhor reduziu o número até restarem apenas 300 escolhidos.
A seleção divina se deu à beira de um riacho. Deus disse a Gideão para observar como os homens beberiam água. Muitos se prostraram para beber — ajoelharam-se, colocando o rosto na água. Mas apenas 300 levaram a água à boca com as mãos, mantendo-se de pé e atentos ao redor.
Os que se prostraram, embora fortes e dispostos, revelaram um coração distraído e vulnerável. Ajoelharam-se diante da necessidade imediata, esquecendo-se da vigilância espiritual. O gesto, aparentemente simples, escondia algo profundo: o espírito da idolatria, que faz o homem curvar-se diante do prazer momentâneo e perder a atenção ao que é essencial.
Os 300, por outro lado, permaneceram de pé. Eles beberam, mas não se deixaram dominar pela sede. Estavam alertas, prontos, disciplinados — símbolo dos que vivem no mundo sem se prostrar diante dele. Por isso, Deus escolheu qualidade, não quantidade. Ele mostrou que a vitória espiritual não depende da força humana, mas da fidelidade dos que permanecem atentos.
O número 300 representa qualidade em cima da quantidade, a plenitude da escolha divina. É o exército purificado, separado, provado pela atenção e pela obediência. Não eram muitos, mas eram os certos.
Deus não precisa de multidões, mas de corações puros. Não precisa de estratégias humanas, mas de obediência e discernimento espiritual. Quando os 300 tocaram as trombetas e quebraram os cântaros, o inimigo entrou em confusão e fugiu. A vitória foi total veio não por armas, mas pela presença do Senhor.
Abraão rompeu com a idolatria da terra natal; Gideão rompeu com o medo e a confiança nas forças humanas. Ambos nos ensinam que as maiores vitórias nascem das rupturas interiores — quando deixamos de confiar no visível e nos curvamos apenas diante de Deus.
Hoje, Ele ainda busca os “300 atentos”: os que não se distraem, não se prostram diante das vaidades e não trocam a fidelidade por conforto. Esses são os que mudam a história, porque seguem o Deus Todo-Poderoso com um coração inteiro.
09.10.2025
+ Bispo Theodore (El-Ghandour)








