A QUESTÃO DO MAL – PARTE 2

[Quanto mais nos elevamos a alturas espirituais, mais o trigo das boas intenções é sufocado pelo joio das tentações]. E, muitas vezes, é o joio que vence no final. Quanto mais nos elevamos acima dos pecados comuns da maioria das pessoas, mais nos sentimos tentados a nos tornar deuses por causa de nossa vitória pessoal – que temos certeza ser muito grande –, mais queimamos incenso para nossos poderes pessoais e mais nos distanciamos de Deus. Digamos que a perfeição dependesse da própria espiritualidade, da contenção a ponto de mortificar os instintos eternos inferiores; então, quantos sábios e filósofos, quantos ateus e seguidores de uma variedade de sistemas para a organização da vida externa teriam sido salvos, apesar de desprezarem a noção de Deus e se apresentarem como prova de que podemos ser salvos sem a ajuda de Deus? Mas, embora o salto de uma vida repleta de abusos carnais para uma vida extremamente espiritual de fato exista, a salvação do mal espiritual é impossível sem a providência divina, sem Deus. É somente nessa melhoria interior que se obtém o pleno benefício do ensinamento de que nada podemos fazer sem Deus.

No polo luminoso da espiritualidade, a humildade perante Deus é dominante, enquanto no polo sombrio predominam o orgulho pelas próprias conquistas e a indiferença a Deus. Consequentemente, o polo luminoso da espiritualidade não pode prevalecer em você até que você aceite a Deus, até que se curve diante de Sua magnificência, até que busque Sua ajuda. Quanto mais humildade tivermos, humildade perante Deus, e quanto mais nos despojarmos do orgulho, mais o brilho da espiritualidade dissipará as trevas dentro de nós. A humildade perfeita implica a aceitação absoluta de Deus, a convicção de que tudo o que você for capaz de alcançar será com a ajuda de Deus. Tal humildade perfeita significa uma erradicação fundamental do orgulho, da convicção de que é você quem conquista o que conquista, de que você é superior aos outros, de que você não precisa de Deus nem de outras pessoas para sua própria felicidade pessoal, para a tarefa que deseja realizar.

O orgulho excessivo significa a negação de Deus, a negação das outras pessoas e o triunfo absoluto do polo sombrio do espírito.

A humildade é a experiência de um momento de maravilhosa elevação ao sacramento do arrependimento. Ela nos proporciona uma vitória brilhante sobre o nosso orgulho. Mas tem um preço. Hesitantes, tropeçando nas palavras e nas intenções, erguemos o porrete e desferimos o golpe mortal em nosso orgulho, em nossa reputação cotidiana aos nossos próprios olhos. Realizamos uma operação dolorosa e torturante, como se estivéssemos nos desfazendo de nós mesmos.

Aqui reside o ponto crucial do arrependimento, nessa experiência transformadora em nossa vida espiritual: por meio de uma cirurgia difícil, efetuamos a morte do nosso orgulho e o fortalecimento da nossa humildade. A enumeração mais precisa e técnica de nossos erros externos não tem valor intrínseco; importa apenas na medida em que provoca essa reviravolta em nossa existência, que envia ondas de choque por todo o nosso ser. É por isso que o sacramento do arrependimento não é necessário apenas para pessoas que cometeram pecados específicos, mas também, e particularmente, para as pessoas “espirituais” que, por mais que examinem seu passado, não encontram nele nada digno de censura. Nessas pessoas, o orgulho cresceu excessivamente, e por isso a humildade precisa lhes dar um choque ainda mais forte. Os intelectuais não precisam menos do sacramento do arrependimento do que as pessoas comuns, porque o mal espiritual é mais abrangente do que a maldade carnal.

A sabedoria da Igreja colocou o sacramento da penitência ao final do jejum. Isso demonstra que, após nossa elevação acima dos excessos carnais, nosso espírito também precisa ser curado. Porque não é apenas o corpo que peca. Algumas pessoas podem acreditar que foram purificadas dos pecados após cumprirem cuidadosamente as exigências de um jejum. A Igreja lhes lembra que existe um pecado do espírito, contra o qual lutamos com mais força no sacramento da confissão.

Somente após a vitória da luminosa espiritualidade que habita em nós é que a Igreja nos permite aproximar-nos da nova era do mundo: a vida após a Ressurreição.

Santo Pai Dumitru Staniloae
tradução de monja Rebeca (Pereira)

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Aurora Ortodoxia é um labor online missionário de cristãos ortodoxos brasileiros de distintas jurisdições canônicas, dedicado ao aprofundamento e iluminação daqueles que se interessam em conhecer a Fé Ortodoxa por meio da experiëncia da Santa Tradição.

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