As coisas que vêm de dentro tornam o homem impuro. “Pois do coração procedem os maus pensamentos, homicídios, adultérios, imoralidades sexuais, roubos, falsos testemunhos e blasfêmias.” (Mateus 15:18)
Esses são os transbordamentos de um coração impuro que, movendo-se para fora, criam um corpo físico de completa malícia. Então, a liberdade da personalidade do homem é despedaçada, e de nobre e feito “à imagem e semelhança de Deus”, ele se torna mau e corrupto. Como fazemos parte dessa condição, deixamos o mundo precisamente por essa razão. Quando dizemos mundo, não nos referimos às pessoas. O mundo é o sistema do velho homem, que, segundo São Paulo, são as paixões e os desejos. Segundo São João Evangelista, “a concupiscência dos olhos e a soberba da vida”, a insensatez e a vaidade em geral. Encontrando-nos aqui, tivemos o cuidado de nos tornarmos “puros de coração”, na medida em que a natureza humana pode experimentar a visão de Deus. A questão do novo nascimento não se trata de levar as pessoas a uma espécie de eudaimonia. Isso é aceito por confissões estrangeiras. Após a aparição de Deus, o Verbo não é levado a um estado de felicidade (eudaimonia), nem retorna do exílio para uma vida melhor. Esses pensamentos não provêm da nossa Igreja, mas são ideias ilusórias.
Com o esvaziamento, a kenosis de Deus, o mundo trouxe a theosis à natureza humana. Assim, o homem é conduzido pela Graça – se partir daqui da obediência à Vontade Divina – hipostaticamente à sua união com Deus. Assim como um filho adotivo tem parte na propriedade, no nome e na pessoa de seu pai, mesmo não sendo filho biológico, o mesmo ocorre conosco. Para nós, isso se chama theantropia.
Isso é o que Deus, o Verbo, nos trouxe à Terra. Como Ele Mesmo disse: “Eu, Pai, neles, e Tu em Mim”, e “a glória que Me deste, Eu lhes dei”, e em outro lugar: “Desejo que os que Me deste estejam co´Migo onde Eu estou, para que vejam a Minha glória”, e ainda: “Vós sois Meus amigos, se fizerdes o que Eu vos mando; já não vos chamo servos”. E quando Lhe pediram que os ensinasse a orar, Ele imediatamente disse: “Pai nosso, que estás nos céus”. No entanto, para alcançar isso e sermos acolhidos pela adoção, devemos ter cuidado não apenas para evitar o pecado, mas para atacar a raiz da pecaminosidade, de modo que ela não tenha lugar algum em nossa mente. Quando nosso coração é purificado das ações das paixões, ou seja, do velho homem, então o Espírito Santo vem e habita nele. Observe como Cristo nos diz isso: “Se alguém Me ama, guardará a Minha palavra; e Meu Pai o amará, e viremos para ele e faremos nele a Nossa morada”. Veja o que Ele diz: “morada”. Ele não diz que viremos apenas para nos visitar, como faríamos com alguém, mas diz que Ele habitará ali. Isso é o que significa Teantropia.
Nossa libertação do pecado não acontece automaticamente, mas em etapas, assim como nosso desenvolvimento físico. Através da nossa persistência, lenta e gradualmente, pela Graça, a pureza do coração ocorre de forma mística. O nous (mente) é purificado e iluminado primeiro, para que compreenda o significado das coisas com clareza e não seja iludido. Seguindo o uso correto dos conceitos e guardando os mandamentos corretamente, o coração também é purificado. Então, a Graça Divina vem permanentemente e faz da pessoa um verdadeiro portador de Deus. E essa pessoa, enquanto viva, é conduzida “da morte para a vida”. Isso é a santificação. A lei natural deixa de operar nela. Ela comunga permanentemente com a Graça Divina e entra naquilo que está acima da natureza, de modo que recebe a graça de uma visão ou profecia. Ele não teme a doença ou o perigo, porque, tendo sido levado à posição de adoção, está coberto pela Graça Divina, e se deixar este mundo, receberá as recompensas das promessas de Cristo.
E nestes dias, se vocês forem cuidadosos, sentirão o impacto da Graça, pois, como disse nosso Ancião de bendita memória, Cristo concede Seus dons abundantemente nestes grandes dias de festa, como uma bênção especial. Há alguma razão para não sermos ou nos tornarmos tão cuidadosos? Visto que este é o nosso objetivo e propósito! Como poderíamos não ser devotos, zelosos, cuidadosos e verdadeiros adoradores de nosso Cristo, que cremos que nos chamou, que nos predestinou e nos justificou, e tudo o que resta é para Sua misericórdia glorificar naquela última hora, quando partirmos deste mundo?
E vejam agora, entraremos em nosso “quarto íntimo”, fecharemos a porta, oraremos, confessaremos nossos pecados e nos prostraremos diante de Cristo, e com todo o nosso coração, toda a nossa mente, toda a nossa vontade, toda a nossa intenção e toda a nossa ação, apresentaremos nossas orações a Ele, como Ele prometeu aos pecadores. Com mansidão, humildade e bondade, prostrar-nos-emos diante d´Ele desta maneira. É a forma mais mística de transformação do caráter, que gera dependência e mudança espiritual: “Esta é a mudança para a destra do Altíssimo”. Essa mudança ocorre em um ser espiritual, que é cercado por anjos, que desejam saber mais sobre isso. Eles veem esses bons pensamentos e tentam superar a lei da gravidade para serem levados ao altar sacrificial celestial, “onde o precursor, Jesus, entrou por nós no Lugar Santíssimo, uma vez por todas, tendo obtido eterna redenção” (Hb 6:20). Onde o homem de barro, o pecador, coberto por vestes de pele, é transformado. Esqueçam tudo o que não diz respeito ao céu. Nossa cidadania está lá. Nosso Jesus nos espera lá. “E, se Eu for e vos preparar lugar, virei outra vez e vos levarei para Mim Mesmo, para que, onde Eu estiver, estejais vós também.” Que coração, ao sentir estas palavras, não se quebraria, mesmo que fosse feito de granito? Seu inexplicável e completo amor não terminou com Sua divina kenosis e Sua vida conosco nesta terra, onde Ele Se revestiu de nossa própria humildade e pobreza. Mas mesmo repousando no abraço paterno “em toda a Sua glória”, Ele ainda se lembra de nós e jamais nos deixará órfãos, mas estará sempre conosco.
Agora, preparem-se para iniciar um ataque espiritual, aspirem a superar uns aos outros. É isso que significa o elogio: “Esta é a geração daqueles que buscam ao Senhor”.
Ancião José, o Hesicasta
tradução de monja Rebeca (Pereira)
