Olá, sou a Irmã Vassa e estou tomando meu café antes de ir trabalhar hoje em Viena, na Áustria. Estou tomando meu café puro, como de costume, porque, como dizem, preto nunca sai de moda.
Antes de ir trabalhar hoje, estou consultando meu calendário da Igreja. Caso você não saiba, esta semana começa outubro e termina setembro. Então, hoje vou refletir sobre uma festa que ocorre na Igreja Ortodoxa Russa em 01/14 de outubro, chamada de Proteção da Mãe de Deus; em grego, Scepitis Theotokou. A história desta festa é diferente nas Igrejas Ortodoxas Grega e Russa, mas o significado é essencialmente o mesmo: celebra as orações da Virgem Maria, a Mãe de Deus, por todos nós.
Na Igreja Ortodoxa Russa, é uma festa muito importante e querida. Muitas igrejas russas são dedicadas à Proteção da Santíssima Virgem, assim como muitas igrejas famosas, incluindo a catedral na Praça Vermelha (Igreja de “Basílio, o Santíssimo”).
A história desta festa na Igreja Russa é complexa e tem significados controversos, tanto que alguns historiadores discordam sobre suas origens exatas. De qualquer forma, a festa celebra a visão da Santíssima Virgem que ocorreu na Igreja de Blachernes, em Constantinopla, no início do século X, durante a Liturgia, quando a igreja estava lotada. A Mãe de Deus apareceu a Santo André, o Louco por Cristo, e ao seu discípulo, Santo Epifânio. Ela apareceu acima da multidão que orava na igreja, cercada por muitos anjos e santos. Primeiro, a Mãe de Deus rezou no Altar por todo o povo; depois, como descreve São Dimitri de Rostov, “Ela tirou o grande e imponente véu que usava sobre Sua puríssima cabeça e, segurando-o com grande solenidade, com Suas mãos puríssimas, estendeu-o sobre todo o povo”. Embora essa visão tenha ocorrido na Constantinopla de língua grega, ironicamente passou a ser celebrada como uma grande festa na Igreja da Rus’.
A maioria dos historiadores atribui a introdução da festa ao Príncipe Andrei Bogolubsky, do final do século XII. Agora, você deve estar se perguntando, se não mudou para um canal diferente no YouTube por causa de toda essa história. Por que o Príncipe Andrei introduziria uma festa que a Igreja de Constantinopla não tinha? Afinal, a Igreja da Rus’ foi batizada por missionários de língua grega e, de fato, no século XII tinha bispos gregos. É por isso que ainda hoje cantamos para nossos bispos russos “Eis polla eti, despota!” em grego, porque originalmente nossos bispos entendiam essa língua. A questão é que o Príncipe Andrei teria tentado obter mais independência cultural para seu povo. Ele queria que seu povo tivesse seus próprios costumes e sua própria tradição independente. Na verdade, ele até tentou elevar seu próprio bispo, ou metropolita, chamado Teodoro, independente da Igreja de Kiev. Mas, é claro, o Patriarca de Constantinopla não concordou com isso. Portanto, Andrei não conseguiu estabelecer a independência cultural em sua terra, porque, na verdade, independência cultural não existe. Principalmente nos últimos 1000 anos. Toda tradição, veja bem, foi e é influenciada por outras tradições. Curiosamente, até mesmo esta bela igreja (a Igreja “Pokrova-na-Nerli”), que o Príncipe Andrei construiu em homenagem à nova festa da Proteção, foi construída por construtores estrangeiros do Ocidente Latino. Eles foram enviados ao Príncipe Andrei por Frederico Barbarossa, o famoso cruzado e Imperador do Sacro Império Romano. Mas isso é apenas uma curiosidade.
Em relação a esta festa nas igrejas de língua grega hoje, ela é comemorada em 28 de outubro, não em 1º de outubro. Nas igrejas de língua grega, ela é comemorada no feriado nacional grego chamado Dia de Ochi. E a festa, a festa da igreja, está associada à ação de graças pela libertação da nação grega da invasão italiana de 1940, devido aos milagres relatados por muitos soldados gregos – milagres da Santíssima Virgem durante a Guerra Greco-Italiana de 1940-1941. Mas chega de falar sobre o lado histórico desta festa.
Agora, vamos falar sobre o seu aspecto principal: as orações da Mãe de Deus. Ouvimos sobre as orações ou intercessões da Mãe de Deus no início da Divina Liturgia Bizantina, na 1ª Antífona: “Pelas orações da Mãe de Deus, Salvador, salva-nos”. Poderíamos tender a mistificar, ou imaginar, essas orações da Virgem Maria, como se elas ocorressem em uma galáxia muito, muito distante… Mas o Evangelho, na verdade, nos dá um exemplo muito humano de Suas intercessões por outros seres humanos, na conhecida passagem sobre as bodas de Caná da Galileia:
“No terceiro dia, houve um casamento, e a Mãe de Jesus estava lá. Jesus e Seus discípulos também foram convidados para o casamento. E, tendo acabado o vinho, a Mãe de Jesus disse a Ele: Eles não têm vinho. Disse-lhe Jesus: Mulher, que tenho Eu con´Tigo? A Minha hora ainda não chegou. Sua Mãe disse aos servos: Fazei tudo o que Ele vos disser para fazerdes.”
E depois disso, como a maioria de vocês provavelmente sabe, Ele ordena aos servos que encham seis jarros com água e transforma essa água em vinho, realizando Seu primeiro milagre público.
O que nos interessa nesta passagem agora é como Maria Se aproxima de Seu Divino Filho – e como Ele reage. Em primeiro lugar, Ela obviamente sabe mais sobre Ele do que os outros. Ela sabe que Ele pode fazer algo a respeito da situação do vinho, e Ela tem plena fé que Ele fará isso, apesar de Sua resposta um tanto desanimadora. Porque Ele a deixa saber que Seu pedido é feito em um momento inapropriado. Ele diz: “Minha hora ainda não chegou, e, mulher, o que isso tem a ver comigo?”
Agora, permitam-me observar que Cristo não está sendo desrespeitoso com Sua Mãe ao chamá-La de “Mulher”. Na língua falada por Jesus, isso era o equivalente a “senhora” em português. Da mesma forma, Ele disse à Sua mãe, como vocês devem se lembrar, da cruz: “Mulher, eis aí o Teu filho”. Ele usa esse termo, na verdade, várias vezes para se dirigir a mulheres, como a mulher siro-fenícia e a mulher samaritana. Ele também usa, incidentalmente, o termo “homem”, “antropo”, para se dirigir ao homem, como em: “Homem, os teus pecados te são perdoados!” em Lucas 5:20. No entanto, Jesus indica a impropriedade do pedido de Sua Mãe nas bodas de Caná. E, no entanto, Ele atende a esse pedido. Ele também atende a outro pedido inapropriado, para outra mulher – a já mencionada mulher siro-fenícia ou cananeia, que clama ao Senhor enquanto Ele caminha com Seus discípulos, implorando que Ele cure sua filha. Jesus primeiro a ignora e indica aos Seus discípulos a impropriedade de seu pedido. Mas, finalmente, quando ela persiste, Ele elogia sua fé: “Ó mulher”, diz Ele, “grande é a tua fé”, e cura sua filha.
De tudo isso, podemos observar o fato bastante constrangedor de que a impropriedade não é obstáculo à oração. As regras de decoro litúrgico que observamos em nossa oração; as formas exteriores, como os textos litúrgicos, as prostrações adequadas, as vestimentas adequadas… todas essas coisas, sem dúvida, têm seu lugar e suas razões. Mas não devemos esquecer que estas não são nem mais nem menos do que formas exteriores. A Mãe de Deus, o modelo da oração cristã, faz um pedido a Seu Filho em um momento inapropriado em Caná da Galileia. Então, na igreja de Blachernes, em Constantinopla, em Sua visão, Ela remove Sua cobertura de cabeça – Seu véu – na igreja para demonstrar Sua proteção a nós, apesar da impropriedade que alguns de nós possamos perceber nisso. Porque, como se vê, nosso senso de impropriedade não é obstáculo à oração. E esse é o nosso Pensamento do Dia.
Sister Vassa (Larin)
tradução de monja Rebeca (Pereira)







