A EXPERIÊNCIA DO ESPÍRITO SANTO – ENTREVISTA COM O ANCIÃO ZACARIAS DE ESSEX (PARTE 1)

Pergunta: São Siluan e São Sofrônio falam repetidamente sobre o Espírito Santo. Como vivenciamos o Espírito Santo de acordo com seus ensinamentos?

Resposta: Tudo começa com a nossa fé em Cristo e a aceitação da Sua palavra. Quando fazemos dos Seus mandamentos a lei única da nossa vida, gradualmente adquirimos certa profundidade mística. Tornamo-nos místicos, assim como a Pessoa do Espírito Santo é mística, secreta, invisível. O Espírito de Deus atua em nós de diversas maneiras. O Padre Sofrônio certa vez me explicou que a oração: “Ó Deus, purifica-me, pecador!” é dirigida ao Espírito Santo. Assim, o Espírito Santo, antes de tudo, nos purifica dos nossos pecados, cura-nos das feridas do pecado e gradualmente constrói em nós o santo templo de Deus, isto é, a imagem de Cristo. Cristo é por excelência o Templo de Deus, a Casa de Deus (1 Pedro 4:17), “porque n´Eele habita corporalmente toda a plenitude da Divindade” (Colossenses 2:9). Então, a natureza do homem é fortalecida para suportar a perfeição do amor de Cristo (cf. Ef 3,19), toda a verdade para a qual o Consolador nos guiará (Jo 16,13).

Existe certa unidade na Santíssima Trindade. Tudo começa com o Pai Não Originado e é realizado por meio de Cristo no Espírito Santo. Há certa ordem, uma vida, uma natureza, uma energia que tem o Pai como fonte e é transmitida a todos nós por meio de Cristo, no poder e na perfeição do Espírito Santo. O Filho veio ao mundo para dar testemunho do Pai: “Tudo o que ouvi de Meu Pai, isso vos dei a conhecer” (João 15:15). Ele vem em perfeita obediência ao Pai, a fim de glorificá-Lo e transmitir a verdade de Sua palavra, e fala de “outro Consolador”, que testificará d´Ele (João 15:26). Vemos algo maravilhoso na Santíssima Trindade: cada Pessoa dá testemunho e glorifica as outras Duas. Vemos essa “pericorese” das Hipóstases da Santíssima Trindade, essa vida comum em que cada Pessoa vive através da outra, essa maravilhosa competição de amor, perfeição e humildade.

Vemos a humildade indescritível e o caráter kenótico do Filho. Aquele que é “impalpável em Sua divindade” teve o prazer de descer do alto de Sua glória ao abismo de nossa corrupção e Se unir à nossa natureza humana para tomar sobre Si todas as feridas resultantes de nossas iniquidades, mas sem pecado.

Vemos a mesma humildade kenótica no Espírito Santo. Quando Ele vem ao mundo, o Espírito Santo age de maneira mística e secreta. Os grandes Padres teólogos dizem que até mesmo o Nome do Espírito Santo dá testemunho de Seu caráter kenótico. As outras duas Hipóstases têm um Nome específico que significa Sua particularidade: o Pai sem princípio e o Filho coeterno e Verbo de Deus. Enquanto isso, em essência, o Espírito Santo não tem Seu próprio nome hipostático, mas compartilha o mesmo nome de “espírito” com as outras duas Pessoas da Santíssima Trindade. Sobre todos os Três, dizemos que “Deus é espírito” (cf. João 4:24), enquanto sobre Cristo dizemos que “embora tenhamos conhecido Cristo segundo a carne, agora, contudo, já não O conhecemos mais” (2 Coríntios 5:16). O Espírito Santo é caracterizado pela mesma humildade absoluta que o Filho e o Pai sem princípio. Por esta razão, Ele é a Pessoa secreta e delicada da Santíssima Trindade, “o Amigo secreto”, como O chama São Simeão, o Novo Teólogo, que vem dar testemunho de Cristo. Cristo diz: “Meu Pai trabalha até agora, e Eu trabalho até agora” (João 5:17); mas o Espírito Santo pode igualmente dizer: “e Eu trabalho até agora, para que Cristo seja formado no coração de todo homem que crê na palavra de Cristo”.

O Espírito Santo é uma Pessoa secreta, que Se revela nos dons que concede aos Seus santos. O Domingo de Todos os Santos é, de fato, o dia que certifica e glorifica a graça do Espírito Santo. Se a imagem do Pai Celestial é o Filho e a imagem do Filho é o Espírito Santo, que representa a imagem de Cristo em nosso coração, a imagem do Espírito Santo é representada pelos dons dos quais os fiéis participam. O Espírito Santo concede “um dom especial” (cf. 1 Coríntios 7:7) a todos nós que cremos em Cristo e fomos batizados em Seu Nome, se vivermos verdadeiramente de acordo com Sua palavra, de modo a nos tornar membros do Corpo de Cristo. Dessa forma, somos enriquecidos e nossa hipóstase é ampliada. Tornamo-nos “membros uns dos outros” (Rm 12:5) e participantes dos dons de todos os santos, e todas as coisas são compartilhadas em comum, como na comunidade apostólica: “Eles tinham tudo em comum” (At 4:32). Os primeiros cristãos tinham uma só vida, um só fôlego, um só coração, e estavam todos reunidos “num só acordo”, com um só desejo, perseverando “no partir do pão” e na invocação do Nome de Cristo (At 2:42, 46). É como membros da Igreja que nos tornamos fortes e perfeitos, pois só nos é dado compreender “qual seja a largura, e o comprimento, e a altura, e a profundidade do amor de Cristo” juntamente com todos os santos (cf. Ef 3:18).

Foi assim que Deus ordenou todas as coisas. Nossa perfeição dentro do Corpo da Igreja não reside em quão astutos somos, nem em nossa capacidade de arrebatar um dom ou outro, mas em nos humilharmos para que possamos saber que somos “membros uns dos outros” e participantes dos dons de todos os santos. Então, nos tornamos universais, como Cristo é universal, pois através da comunhão à qual Ele nos conduz, o Espírito Santo nos concede a expansão do Novo Adão, de Cristo, e nos torna seres humanos com um coração universal que abraça toda a humanidade. Esta é a grandeza do Cristianismo que encontramos na Igreja. Deus nunca deu todos os Seus Dons a uma única pessoa, não importa quão grande essa pessoa seja, seja ela chamada Pedro ou Paulo, Máximo ou Basílio o Grande. Ele deu a cada um um dom particular para que possamos ser membros uns dos outros e manter um espírito humilde. O Padre Sofrônio me disse um dia: “Aqueles que são regenerados pelo Espírito têm uma competição: quem se humilhará mais diante do outro.”

Como experimentamos o Espírito Santo em nossa vida? O Espírito Santo aperfeiçoa o homem como hipóstase porque Ele alarga o coração para abraçar todo ser humano, desde Adão até a Segunda Vinda, levando o homem à oração hipostática pelo mundo inteiro. O Espírito Santo alarga o coração para que ele possa acolher a graça e adquirir compaixão pelos “pequeninos” de nossos irmãos (Mt 18:10). Essa expansão nos capacita a invocar o Nome de Cristo no Espírito Santo. Por meio da invocação do Nome de Cristo, atraímos o Espírito Santo, que retrata a imagem de Cristo e constrói o templo de Deus em nosso coração. O Apóstolo diz que “ninguém pode dizer que Jesus é o Senhor, senão pelo Espírito Santo” (1 Coríntios 12:3). Portanto, quando dizemos ‘Senhor, Jesus Cristo’ ‘de um coração puro’ (2 Timóteo 2:22), com humildade e atenção, temos o Pentecostes.

O Espírito Santo nos lembra das palavras de Cristo e abre nossa compreensão ao seu significado; Ele nos inspira a proferir palavras perfeitas, como diz São Siluan, e nos capacita a nos tornarmos proféticos na Liturgia, aperfeiçoando essa troca de vidas por meio do Espírito Santo, pois é o Espírito Santo que santifica os Dons e os transforma no Corpo e Sangue de Cristo. Todos esses meios, o Nome de Cristo, a Palavra de Deus e o mistério da Sagrada Eucaristia, através da dilatação do coração pela compaixão pelos “pequeninos”, testemunham a presença do Espírito Santo na vida do cristão e todos se tornam uma só vida no coração do homem, como diz São Sofrônio.

Pergunta: Familiarizamo-nos mais com a Pessoa de Cristo em nossa vida. Podemos desenvolver um relacionamento semelhante com o Espírito Santo?

Resposta: Houve um período em que eu pensava persistentemente: “Por que devo rezar somente a Cristo?” Quero sentir a proximidade do Pai também.’ Então comecei a orar com grande desejo ao Pai Celestial, mas depois de alguns minutos me vi orando ao Filho, porque Quem é o Pai? Aquele Que ‘amou o mundo de tal maneira que deu o Seu Filho Unigênito, para que todo aquele que n´Ele crê não pereça, mas tenha a vida eterna’ (João 3:16). Você começa a orar ao Pai e, sem perceber, acaba orando ao Filho. Conhecemos continuamente o Pai pelas palavras do Filho, e nem é necessário pensar em ter um relacionamento especial com o Pai, pois o Pai Se agrada de que nos tornemos discípulos de Seu Filho, e quando nos tornamos semelhantes à Sua imagem, o Filho nos entregará como filhos ao Pai por toda a eternidade. O mesmo acontece com o Espírito Santo: começamos a orar ao Espírito Santo e, sem perceber, nossa oração se volta novamente para Cristo, porque é Ele Quem nos envia o Espírito Santo.

Muitas vezes, quando oramos ao Pai, temos a mesma energia na oração que quando oramos ao Senhor. No entanto, o Senhor diz: “Ninguém vem ao Pai senão por Mim” (João 14:6). Ninguém recebe o Espírito Santo senão por meio do Seu dom, porque Ele é Aquele que ascendeu ao alto, levou cativo o cativeiro e concedeu os dons do Espírito Santo aos homens (cf. Efésios 4:8). Cristo disse: “Se Eu não for, o outro Consolador não virá” (João 16:7), porque Ele teve que ir e apresentar-Se diante de Deus após ter realizado a obra da salvação, para que o Pai Se agradasse de enviar os dons do Espírito Santo à Terra. Quanto mais a graça do Senhor opera em nós, mais gratos nos tornamos também ao Espírito Santo. “Segundo o dom do Teu Cristo”, como dizemos na Liturgia dos Pré-Santificados, e conforme o aumento dos dons na alma, começamos a ter comunhão também com o Espírito Santo.

O Filho aceitou tornar-Se o Autor da nossa salvação com o custo de Sua vida, mostrando Seu amor até o fim, mas esta foi a vontade de Deus Pai, e o Espírito Santo acompanha a obra do Filho, colocando o selo da perfeição em cada ato que Ele realiza. Portanto, se temos um relacionamento com Cristo, certamente temos um relacionamento com o Pai e o Espírito Santo também. São Siluan diz que ele não sabia que o Espírito Santo existia antes de sua visão de Cristo. Então, ele experimentou a existência pessoal do Espírito Santo, que testemunha que Cristo é Deus e que Ele dá o Espírito Santo. Como ele sabia que era o Espírito Santo que testemunhava em seu coração a salvação? Ele reconheceu o Espírito Santo porque Ele o encheu com esse imenso amor por Cristo e capacitou sua natureza a suportar a plenitude desse amor, pois a menos que o Espírito Santo fortaleça sua natureza, o homem não pode suportar nada divino.

Consequentemente, o que deve nos preocupar continuamente é como ter um relacionamento melhor e mais forte com Cristo, para que “nem a morte, nem a vida, nem qualquer outra criatura”, se é que existe alguma outra criatura, seja capaz de nos separar do amor de Cristo (cf. Rm 8,38-39). Temos Cristo? Então, temos também o Pai e o Espírito Santo. Temos a palavra do Pai em sua forma pura, como Cristo a deu a nós, e também temos a profundidade de compreensão que a perfeição do Espírito Santo nos concede. Nosso Deus não é como os deuses gregos que brigavam entre si. Em nosso Deus, existe essa comunhão indescritível e incompreensível de amor perfeito e humildade perfeita.

Arquimandrita Zacharias (Zacharou)
tradução de monja Rebeca (Pereira)

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Aurora Ortodoxia é um labor online missionário de cristãos ortodoxos brasileiros de distintas jurisdições canônicas, dedicado ao aprofundamento e iluminação daqueles que se interessam em conhecer a Fé Ortodoxa por meio da experiëncia da Santa Tradição.

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